terça-feira, 30 de junho de 2015

Como o atirador da Tunísia adotou o jihadismo
Frédéric Bobin - Le Monde
EPA/EFE
Imagem divulgada no sábado (27) em contas de redes sociais associadas ao Estado Islâmico mostra o tunisiano Seifeddine Rezgui, suspeito de matar dezenas de pessoas em um hotel em Sousse, Tunísia Imagem divulgada no sábado (27) em contas de redes sociais associadas ao Estado Islâmico mostra o tunisiano Seifeddine Rezgui, suspeito de matar dezenas de pessoas em um hotel em Sousse, Tunísia
Todo sorridente, o jovem de cabelos desgrenhados e camiseta branca posa entre duas AK-47s, encostado em uma parede ensolarada. Assim apareceu para o mundo Seifeddine Rezgui, 24, em uma foto divulgada pelo Estado Islâmico (EI) como parte da reivindicação do massacre de El-Kantaoui, perto de Sousse, no litoral do leste tunisiano, que deixou 38 mortos e o mesmo tanto de feridos entre os hóspedes estrangeiros de um hotel, na sexta-feira (26).
Mais de três meses após o ataque contra o Museu do Bardo (22 mortes, sendo 21 estrangeiros), é possível delinear mais ou menos o mesmo perfil de jovens jihadistas tunisianos, rapazes de trajetórias aparentemente "normais", nos quais suas famílias e vizinhos a princípio não detectam nenhum indício de espiral extremista. A Tunísia, chocada, está tentando entender essa minoria dentre seus jovens que declarou guerra a sua "transição democrática exemplar" exaltada por outros países.
Seifeddine Rezgui nasceu em 1990, em uma família pobre do vilarejo de Gaafour, situado na província de Siliana, emblemática dessa Tunísia do interior onde há incubada uma insatisfação social recorrente contra o desenvolvimento mal distribuído. O jovem era bom aluno e no ano de 2011 foi morar em Kairouan, onde se inscreveu no Instituto Superior de Ciências Aplicadas e de Tecnologia, onde estudou até o mestrado na área de "pilotagem e redes industriais".
Durante seus dois primeiros anos em Kairouan, o estudante levou uma vida típica de sua geração, segundo informações relatadas pela imprensa tunisiana. Apaixonado por futebol --torcedor fervoroso do Real Madrid e do Club Africain de Túnis-- e por break dancing, ele colocava vídeos de suas performances de dança em seu perfil do Facebook, onde também compartilhava músicas (ele gosta de Enrique Iglesias) e esquetes de televisão.

Mudanças de comportamento

Mas no outono de 2013, esse jovem comum pareceu mudar. Seu perfil no Facebook (fechado desde o ataque de Sousse) passou a divulgar principalmente mensagens islâmicas a partir do início de 2014, relata Hedi Yahmed, chefe de redação do site de notícias "Hakaekonline" e autor de uma obra ("Sob a bandeira do abutre") sobre a esfera jihadista tunisiana. Foi a época em que Seifeddine Rezgui começou a frequentar a cena salafista de Kairouan, uma cidade que se manteve orgulhosa de seu prestigioso passado de centro de irradiação do ensino corânico na África do Norte.
Esse outono de 2013 foi especialmente tenso entre o movimento salafista Ansar al-Sharia e o governo, dirigido então pelo partido islamita Ennahda. Após uma fase inicial de indulgência, este último decidiu endurecer sua atitude em relação ao Ansar al-Sharia, depois que foram assassinadas personalidades da esquerda laica. Kairouan foi um dos palcos dessa onda.
Esse é um dos enigmas que cercam a trajetória de Seifeddine Rezgui. Como seu perfil no Facebook não entregou mais nenhuma ambiguidade em 2014 ao longo de mensagens que glorificassem o Estado Islâmico (emergente no Iraque) e fazendo um apelo pela jihad, ele não chamou mais a atenção das autoridades. Seria por que ele mudou novamente de comportamento?
Segundo Mongi Khadraoui, jornalista do "Al-Chorouk Online", Seifeddine Rezgui acabou se afastando da cena salafista, pelo menos aparentemente. Teria ele tentado passar despercebido? "Não se deve descartar que isso possa ter sido uma tática", especula Mong Khadraoui. A questão vale ser levantada, ainda mais porque a partir do final de 2014 seu perfil no Facebook se tornou inativo.

Conexão líbia

Evidentemente ele descambou depois de ultrapassar mais uma etapa. Segundo Hedi Yahmed, que cita uma fonte policial, Seifeddine Rezgui teria tido contato com Yassine Laabidi, um dos dois atiradores do Museu do Bardo. Assim como este, teria Rezgui passado por um treinamento na Líbia que explicaria o sangue-frio profissional demonstrado por ele na chacina de Sousse? Não há elementos que provem isso.
Seu passaporte não indica nenhuma saída do território, o que nem por isso descarta a hipótese de uma viagem clandestina. De qualquer forma, uma conexão líbia continua sendo altamente provável. "A AK-47 deve ter sido fornecida a ele por um grupo ligado à Líbia", diz um diplomata ocidental. Desde que o caos se instalou nesse país, o contrabando transfronteiriço tem sido a principal fonte de entrada de armas na Tunísia.
Assim, a trajetória de Seifeddine Rezgui dá indícios da estratégia aplicada desde 2014 por uma esfera salafista tunisiana de conexões cada vez mais profundas com o EI. A primeira geração de jihadistas pós-2011 se associou aos movimentos insurgentes dos montes Chaambi e Semmama da província de Kasserine, próxima da fronteira argelina, e foi assumida pelo grupo Okba Ibn-Nafaa, ligado à Al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQMI).
Cercados geograficamente, esses insurgentes, estimados em no máximo uma centena, vinham atacando exclusivamente as forças de segurança tunisianas. Mas um novo período está se iniciando com a entrada do EI no cenário jihadista tunisiano. "Duas diferenças estão surgindo", explica Hedi Yahmed. "A primeira é que o combate está descendo das montanhas para a cidade. A segunda é que os alvos têm sido somente estrangeiros, enquanto os tunisianos estão sendo poupados para que não haja um rompimento com a população".
Essa nova configuração compromete em muito a Tunísia democrática.

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