O que vai a votos na Grécia é a concordância, ou não, com propostas que encurralam e humilham um povo
Daniel Aarão Reis - O Globo
Era o começo da madrugada
no último sábado, dia 27 de junho, quando os gregos viram surgir nas
televisões a figura do chefe do governo, Alexis Tsipras. Num tom firme,
sereno e algo solene, sem bravatas inúteis, após denunciar as propostas
da chamada troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) como um “ultimatum
humilhante”, convocou o povo grego a se posicionar a respeito num
plebiscito a se realizar no próximo dia 5 de julho. O Parlamento grego
confirmaria a opção, por 178 a 120 votos.
Uma jogada ousada.
Surpreendida, e em represália, a reunião dos ministros de Finanças da União Europeia, o Eurogrupo, realizada no mesmo dia, excluiu os representantes gregos, como se a Grécia estivesse fora da Europa.
No domingo, 28, Tsipras deu mais um passo: anunciou “férias” bancárias de curta duração, a partir de segunda-feira, 29, até o dia seguinte ao plebiscito, 6 de julho. E também um limite de € 60 por dia, e por pessoa, para retiradas dos caixas eletrônicos, conclamando os cidadãos a demonstrar “sangue frio e determinação”.
Apesar das inquietantes aparências, entretanto, a ruptura ainda não se consumou.
Quatro questões estão em jogo desde que se iniciaram as negociações em fevereiro: equilíbrio orçamentário, reforma fiscal, ajuda financeira e reestruturação da dívida.
Em relação ao Orçamento, exigiu-se dos gregos um superavit primário de 3,5% do PIB, a partir deste ano. Não foi difícil demostrar a truculência da proposta, pois poucos países europeus alcançam esta meta. Chegou-se assim a uma gradação, de 1% a 3%, entre 2015 e 2017.
Quanto à reforma fiscal, não houve acordo. A pressão por uma indiscriminada elevação da TVA, equivalente ao nosso imposto de circulação de mercadorias, foi recusada sob o argumento de que deprimiria a recuperação econômica em curso. Como alternativa, os gregos propuseram aumentos diferenciados, maiores taxas sobre as grandes fortunas e os produtos de luxo, protegendo-se a indústria do turismo, essencial à economia. A tese de uma reforma da Previdência foi aceita, mas divergências subsistem quanto ao calendário e à amplitude de sua execução. Maiores discrepâncias permanecem quanto aos empréstimos. Angela Merkel mencionou a hipótese de uma injeção de € 15,5 bilhões. Ora, quase todo este montante serviria apenas para pagar obrigações que vencem até novembro deste ano. Os gregos contrapropuseram um plano capaz de deter a ciranda infernal de novos financiamentos para pagar dívidas vencidas.
A questão maior é a reestruturação da impagável dívida: € 322 bilhões, ou 177% do PIB do país, sendo que a relação dívida/PIB aumentou em 35%, nos últimos cinco anos, apesar dos “ajustes” realizados. O mais adequado seria suspender temporariamente qualquer tipo de pagamento, para permitir um ganho de fôlego à Grécia.
A economia grega vive hoje na UTI, dependente de repasses feitos pelo Banco Central Europeu no quadro de um programa emergencial, que assegura a liquidez do sistema, o chamado ELA/Emergency Liquidity Assistance. Desde 2010, estima-se que saíram do país € 80 bilhões. Depois do anúncio do referendo, filas formavam-se nas cidades gregas diante dos bancos e dos caixas eletrônicos. Foi para que a situação não saísse do controle que o governo anunciou as férias bancárias e os limites para os saques.
Os mercados financeiros mundiais não se mostram abalados, pois já passaram o “mico” da dívida grega às instituições públicas. Assim, e embora haja controvérsias a respeito, estima-se que a insolvência do país e/ou sua saída do processo de integração europeia não iria abalar o sistema bancário privado. Como se sabe, a parcela a ser paga até hoje é devida ao FMI e não a qualquer banco particular. E o FMI tem procedimentos para tratar a situação, ampliando créditos e/ou prazos para viabilizar os pagamentos.
As lideranças políticas e tecnocráticas europeias e mais a senhora Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, têm preferido, porém, o caminho da chantagem. Imaginam-se “adultos”, confundindo velhice com sabedoria, uma associação nem sempre evidente. Comprazem-se em chamar à razão os “jovens” de Atenas. Estes insistem em dizer que não se trata de optar a favor ou contra a Europa, e sim pelo tipo de Europa que se quer construir. O que vai a votos é a concordância, ou não, com propostas que encurralam e humilham um povo.
No referendo próximo, o povo grego escolherá entre a submissão e a autonomia. Entre os velhos engravatados da Europa dos bancos e os jovens de Atenas, da Europa da solidariedade e das indumentárias informais. O comportamento deles evoca uma frase de Helio Pellegrino, referindo-se aos líderes estudantis das passeatas brasileiras de 1968, barrados no Palácio do Planalto por impropriamente vestidos: “eles não têm gravatas, mas têm caráter”.
Uma jogada ousada.
Surpreendida, e em represália, a reunião dos ministros de Finanças da União Europeia, o Eurogrupo, realizada no mesmo dia, excluiu os representantes gregos, como se a Grécia estivesse fora da Europa.
No domingo, 28, Tsipras deu mais um passo: anunciou “férias” bancárias de curta duração, a partir de segunda-feira, 29, até o dia seguinte ao plebiscito, 6 de julho. E também um limite de € 60 por dia, e por pessoa, para retiradas dos caixas eletrônicos, conclamando os cidadãos a demonstrar “sangue frio e determinação”.
Apesar das inquietantes aparências, entretanto, a ruptura ainda não se consumou.
Quatro questões estão em jogo desde que se iniciaram as negociações em fevereiro: equilíbrio orçamentário, reforma fiscal, ajuda financeira e reestruturação da dívida.
Em relação ao Orçamento, exigiu-se dos gregos um superavit primário de 3,5% do PIB, a partir deste ano. Não foi difícil demostrar a truculência da proposta, pois poucos países europeus alcançam esta meta. Chegou-se assim a uma gradação, de 1% a 3%, entre 2015 e 2017.
Quanto à reforma fiscal, não houve acordo. A pressão por uma indiscriminada elevação da TVA, equivalente ao nosso imposto de circulação de mercadorias, foi recusada sob o argumento de que deprimiria a recuperação econômica em curso. Como alternativa, os gregos propuseram aumentos diferenciados, maiores taxas sobre as grandes fortunas e os produtos de luxo, protegendo-se a indústria do turismo, essencial à economia. A tese de uma reforma da Previdência foi aceita, mas divergências subsistem quanto ao calendário e à amplitude de sua execução. Maiores discrepâncias permanecem quanto aos empréstimos. Angela Merkel mencionou a hipótese de uma injeção de € 15,5 bilhões. Ora, quase todo este montante serviria apenas para pagar obrigações que vencem até novembro deste ano. Os gregos contrapropuseram um plano capaz de deter a ciranda infernal de novos financiamentos para pagar dívidas vencidas.
A questão maior é a reestruturação da impagável dívida: € 322 bilhões, ou 177% do PIB do país, sendo que a relação dívida/PIB aumentou em 35%, nos últimos cinco anos, apesar dos “ajustes” realizados. O mais adequado seria suspender temporariamente qualquer tipo de pagamento, para permitir um ganho de fôlego à Grécia.
A economia grega vive hoje na UTI, dependente de repasses feitos pelo Banco Central Europeu no quadro de um programa emergencial, que assegura a liquidez do sistema, o chamado ELA/Emergency Liquidity Assistance. Desde 2010, estima-se que saíram do país € 80 bilhões. Depois do anúncio do referendo, filas formavam-se nas cidades gregas diante dos bancos e dos caixas eletrônicos. Foi para que a situação não saísse do controle que o governo anunciou as férias bancárias e os limites para os saques.
Os mercados financeiros mundiais não se mostram abalados, pois já passaram o “mico” da dívida grega às instituições públicas. Assim, e embora haja controvérsias a respeito, estima-se que a insolvência do país e/ou sua saída do processo de integração europeia não iria abalar o sistema bancário privado. Como se sabe, a parcela a ser paga até hoje é devida ao FMI e não a qualquer banco particular. E o FMI tem procedimentos para tratar a situação, ampliando créditos e/ou prazos para viabilizar os pagamentos.
As lideranças políticas e tecnocráticas europeias e mais a senhora Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, têm preferido, porém, o caminho da chantagem. Imaginam-se “adultos”, confundindo velhice com sabedoria, uma associação nem sempre evidente. Comprazem-se em chamar à razão os “jovens” de Atenas. Estes insistem em dizer que não se trata de optar a favor ou contra a Europa, e sim pelo tipo de Europa que se quer construir. O que vai a votos é a concordância, ou não, com propostas que encurralam e humilham um povo.
No referendo próximo, o povo grego escolherá entre a submissão e a autonomia. Entre os velhos engravatados da Europa dos bancos e os jovens de Atenas, da Europa da solidariedade e das indumentárias informais. O comportamento deles evoca uma frase de Helio Pellegrino, referindo-se aos líderes estudantis das passeatas brasileiras de 1968, barrados no Palácio do Planalto por impropriamente vestidos: “eles não têm gravatas, mas têm caráter”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário