TEMA EM DISCUSSÃO: Fim da reeleição
Uso da máquina
JOÃO BATISTA DAMASCENO - O Globo
A reforma política em curso no Congresso é tudo, menos a reforma
institucional desejada pela sociedade, que não a debateu ou foi
consultada. É um arranjo de interesses transitórios, onde a crença na
República e na democracia foi substituída pelo casuísmo que desrespeita a
pluralidade. A incivilidade atropela o regimento e a racionalidade que
ajuda a construir instituições permanentes. Reformas casuísticas não
sobrevivem, pois ficam sujeitas ao movimento pendular da política e aos
retrocessos com o retorno dos prejudicados.
De tudo já se tentou, transitoriamente, em matéria de política no
Brasil desde a primeira eleição, em 1821, para representantes às Cortes
portuguesas. O oportunismo da reforma de 1841 provocou as Revoltas
Liberais de 1842. A coincidência de mandatos foi tentada em 1982, com a
prorrogação dos mandatos dos prefeitos eleitos em 1976.
A República instituiu a eleição de presidente e governador e, visando
à alternância no poder, proibiu a reeleição. A proibição, para cargos
executivos, pode restringir o uso da máquina política, ainda que não
seja a solução para os problemas da democracia. Foi o presidente FHC,
num golpe institucional, em momento transitório de alta popularidade e
venalidade de parcela do Congresso, quem instituiu a reeleição para
chefes de Executivo. Dois deputados grampeados falaram da venda dos seus
votos e renunciaram para não serem cassados.
Golpes se fazem com armas, com suborno, mas também com o clamor
popular transitório. Este último modelo é o bonapartista, alusão ao
golpe do sobrinho de Napoleão, em 1851, que inspirou a frase de que a
História só se repete como farsa. A reeleição para cargos do Executivo é
estranha à República brasileira e sua prática demonstrou que acentua os
vícios no processo eleitoral, promove a desorganização administrativa e
propicia confusão entre o interesse público e o do governante.
Os
problemas da democracia brasileira vão além do processo eleitoral.
Tampouco as fraudes são os únicos meios de viciamento da representação.
Nem mesmo a criação da Justiça Eleitoral, concebida como instância
racional para solução de conflitos, sem interferência política, se
mostrou plenamente satisfatória. Até a escolha dos juízes eleitorais,
por vezes, não escapa a uma análise de quem busca falsidades em
declarações no seio das próprias Cortes eleitorais.
A reeleição de presidente, governadores e prefeitos e a
indeterminação do número de mandatos legislativos tem possibilitado toda
sorte de uso da máquina pública. A democracia e a República pressupõem a
alternância no poder e a temporalidade da representação. Mesmo no
Judiciário, é hora de se pensar em tempo máximo de permanência nos
tribunais. Mas a PEC da Bengala, outro casuísmo, possibilitou a
permanência de juízes até os 75 anos.
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