segunda-feira, 29 de junho de 2015

Construção do atraso
Estudo do BNDES mostra que deficit de mobilidade urbana no país não é insuperável, mas incúria de governantes recomenda pouco otimismo 
FSP
"Subdesenvolvimento não se improvisa; é obra de séculos", afirmou com mordacidade o escritor Nelson Rodrigues (1912-1980). Constatação semelhante pode ser feita a respeito do atraso no sistema de transporte público coletivo das principais cidades brasileiras.
As enormes carências do setor não se construíram por acaso; são resultado de muitas décadas de planejamento inepto ou inexistente, distribuição intermitente de recursos e descontinuidade na execução de projetos, de resto ruins.
Não bastassem essas dificuldades, a necessária melhoria desse quadro esbarra também na ausência de um conhecimento mais profundo e objetivo acerca das reais demandas a serem atendidas.
A situação é diferente da de outras áreas importantes, como energia elétrica, saneamento e habitação, em relação às quais não faltam dados que permitam ao gestor mensurar a distância entre a infraestrutura existente e a desejada.
Um recente estudo do BNDES buscou corrigir essa lacuna. Numa radiografia do setor, a instituição avaliou o tamanho do deficit de transporte público nas 15 maiores regiões metropolitanas do país e calculou quanto seria preciso investir para saná-lo.
Baseando-se no princípio de que a "capacidade do transporte deve ser proporcional à densidade populacional da área atendida", os autores do documento projetaram a extensão da malha viária ideal.
Na Grande São Paulo, por exemplo, seriam necessários mais 93 km de metrô e 168 km de corredores de ônibus de média e longa distância --hoje são 78 km e 121 km, respectivamente. E isso sem contar outras soluções para deslocamentos entre os bairros.
Estima-se em R$ 83,5 bilhões o custo desses investimentos na metrópole paulista. Somadas todas as 15 localidades estudadas, chega-se a R$ 235 bilhões, o equivalente a 4,8% do PIB brasileiro.
O BNDES reparte o desembolso por 12 anos, um período de tempo em tese compatível com a iniciativa --o que implicaria gasto anual de 0,4% do PIB, equivalente ao do programa Bolsa Família (0,5%).
Apesar de não ser uma cifra exorbitante, esse investimento parece impensável diante da crise econômica e dos embaraços judiciais das grandes empreiteiras.
Mesmo que inexistissem as dificuldades conjunturais, todavia, o prognóstico para a área seria ainda assim pouco alvissareiro.
Desde que começaram a ser construídos metrôs no país, nos anos 1960, não faltaram ocasiões para superar as carências do sistema de transportes públicos. Na mais recente delas, a Copa do Mundo de 2014, o setor recebeu atenção e recursos como nunca, mas os resultados foram pífios como sempre.
No tema da mobilidade urbana, e decerto em muitos outros casos, a maior obra dos governantes brasileiros é mesmo a construção do subdesenvolvimento nacional. 

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