Fica mais visível a face política da crise grega
Às vésperas de possível calote, Tsipras
decreta feriado bancário e convoca plebiscito sobre austeridade, que
definirá o futuro do país como membro da UE
O Globo
À medida que se aproxima o fim do prazo para que a Grécia chegue a um
acordo com seus parceiros europeus expõem-se de maneira mais clara os
desdobramentos políticos do impasse gerado a partir da eleição do
premier Alexis Tsipras no início do ano. Líder do Syriza, coalizão de
partidos radicais de esquerda, Tsipras foi eleito para pôr fim ao
programa de austeridade fiscal, que não só permitiu ao país começar a
sanear suas finanças, mas também deu acesso a um pacote de ajuda de €
240 bilhões, cujas parcelas permitiram à Grécia quitar, até agora, seus
compromissos com credores.
Os efeitos colaterais do aperto de cinto da economia estimularam uma
retórica antiausteridade que ressoou no eleitorado às voltas com cortes
de renda e aumento de impostos. Isso possibilitou a ascensão de polos
extremos da política grega ao poder. O programa de austeridade, porém,
garantiu a permanência do país no bloco europeu. Além disso, o mesmo
remédio foi adotado por outras nações para se enquadrarem aos padrões da
UE. Este foi o caso, por exemplo, de Islândia, Espanha e Portugal,
países cuja estabilidade econômica encontra-se hoje num horizonte
visível.
Os efeitos colaterais da austeridade, diga-se, são proporcionais ao
tamanho do ajuste fiscal necessário. E, no caso grego, estamos falando
de anos seguidos de leniência com as contas públicas. O país deve
atualmente € 242 bilhões, segundo a agência Reuters, embora, hoje, a
maioria dos títulos esteja em mãos de instituições como o FMI e não com o
mercado, o que amortecerá choques. O rombo remonta à falsa
contabilidade que permitiu a entrada do país na UE. Os gregos também se
valeram da contabilidade criativa.
Hoje, vence uma parcela acumulada de € 1,6 bilhão que o país deve ao
FMI. Sem recursos para quitá-la, Atenas começa a enfrentar a dura
realidade que a ideologia dos palanques obscureceu. Pressionado, o
governo se viu obrigado a adotar medidas emergenciais e decretou, no fim
de semana, feriado bancário até o próximo dia 6, aumentando a
insegurança geral.
O
eleitorado, que dera ao Syriza um mandato contra o aperto fiscal,
confrontado com as consequências de um rompimento com os credores —
sendo a principal delas a saída do bloco europeu — deu sinais de
reconsideração. Pesquisas de opinião recentes mostram que a maioria dos
gregos quer permanecer no euro, mesmo ao custo do aperto fiscal.
Tsipras convocou um plebiscito sobre a austeridade para o próximo
domingo, recomendando o voto no “não”. Se a população optar pelo “sim”,
por coerência, espera-se que o premier convoque novas eleições. Se a
resposta for “não”, a Grécia abandonará o euro, com consequências para o
país e a UE. De um lado, voltará ao dracma desvalorizado e a um quadro
de depressão econômica e alta inflação; de outro, no plano político, se
aproximará de Rússia e China, elevando as tensões geopolíticas na
região. O plebiscito, portanto, não é sobre a austeridade, mas sobre o
futuro da Grécia.
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