Frédéric Bobin - Le Monde
Hatem Salhi/AFP
Amigos e parentes velam o corpo do capitão tunisiano Monoum Gharsaali, em 16 de junho deste ano, em Kasserine --a 360 quilômetros da capital Túnis--, um dia depois de ele ser assassinado por membros do Estado Islâmico
No final da estrada, desponta uma guarita coberta por telhas em esmalte opalino, para além da qual está a Argélia. Em volta do posto da fronteira de Bouchebka, o cenário são somente colinas pedregosas repletas de figueiras e pinheiros. Na estrada, muitas caminhonetes carregadas com galões de gasolina, uma gasolina argelina que é revendida na Tunísia a preços que cobrem qualquer concorrência. A fronteira é aqui um mercado lucrativo, onde há o comércio oficial e legal, e o resto. No caso, o contrabando, principal fonte de renda nesse interior da Tunísia, uma outra Tunísia, abandonada à própria sorte, que se queixa de ter sido esquecida pela capital Túnis e por seu litoral próspero.
Ridha Abassi resmunga. Ele aponta para uma caminhonete carregada de
galões, parada no acostamento. O motorista parece estar discutindo com
uma picape da guarda nacional. "Eles vão acabar entrando em um acordo",
zomba, desiludido, Ridha Abassi, o prefeito de Kasserine –-voluntário
enquanto não há eleições municipais-– que nos leva para uma jornada ao
longo dessa fronteira repleta de todo tipo de tráfico.
Ele explica como os contrabandistas "compram a rota", eufemismo usado para se referir às propinas. Para aqueles que não podem pagar, há os jumentos amarrados nos pinheiros, preparados para atravessar a fronteira carregados com preciosos pacotes. Até um membro da guarda nacional reconhece os limites de sua tarefa. "Não é possível combater completamente o contrabando", ele diz. "Se prenderem contrabandistas demais, haverá greves, manifestações e desordem, pois as pessoas aqui só vivem do contrabando."
É um doloroso dilema. Nas regiões pobres do interior da Tunísia, o contrabando –-com a Argélia a oeste e a Líbia a leste-– cumpre uma missão de amortecedor social, ainda que isso possa acarretar toda uma série de efeitos perversos, especialmente a infiltração de armas para células jihadistas cujo aprofundamento, nos últimos anos, tem colocado sob pressão a transição democrática tunisiana. Com seus 220 quilômetros de fronteira compartilhada com a Argélia, a província de Kasserine ilustra perfeitamente a contradição.
Entre amortecedor a curto prazo e risco a longo prazo, Kasserine optou pelo primeiro. Quatro anos e meio após a revolução, da qual a região participou na vanguarda, a frustração social continua incubada e o sentimento de abandono só aumenta. A província, com meio milhão de habitantes, tem os piores indicadores socioeconômicos da Tunísia: um índice de desemprego –-oficial-– de 22,7% (contra 14,8% em escala nacional), um índice de desemprego entre pessoas com nível universitário de 46,9% (contra 31,9%), um índice de analfabetismo de 32% (contra 28,8%), um índice de pobreza de 32,3% (contra 15,5%)... "Somos cidadãos de segunda classe", reclama Nabil Kassoumi, representante local da União dos Diplomados Desempregados (UDC).
Nas redes sociais, a agitação é grande, com vários apelos por protestos. "O governo só responde se você sai às ruas", diz desiludido Noumen Mhamdi, um dos ativistas sociais que coordenam a agitação –-"não violenta", ele se apressa para explicar. "Estamos meio assoberbados pelas redes sociais", admite Mohamed Sghaier Saihi, secretário-geral adjunto do braço regional da União Geral dos Trabalhadores Tunisianos (UGTT). Depois de muitas promessas, a população não consegue entender por que o Estado se interessa tão pouco por Kasserine, por que nenhum projeto sério de investimentos nunca foi posto em prática. E a incompreensão alimenta as teorias da conspiração.
Então a população de certa forma assumiu ela mesma as rédeas. "Como o Estado não conseguiu desenvolver Kasserine da maneira formal, os próprios habitantes se encarregaram disso informalmente, através do contrabando", explica o prefeito Ridha Abassi. Da Argélia chegam a gasolina, o gás, os eletrodomésticos chineses, enquanto a Tunísia envia para lá produtos alimentícios, cimento... As somas envolvidas são consideráveis. Em vilarejos da fronteira, quase toda a renda local vem do tráfico. Em Kasserine mesmo a proporção é de 30% a 40%, segundo uma aproximação grosseira citada por diferentes fontes.
É verdade que a situação é um pouco mais difícil para essa economia ilícita. Com a intensificação das operações militares contra os insurgentes jihadistas dos montes Chaambi e Semmama nos últimos meses, a fronteira está mais vigiada que durante o período caótico que se seguiu à revolução de 2011. Ali Griri, célebre contrabandista de reputação perversa que prosperou durante o antigo regime e ainda tem certa notoriedade em Kasserine, se queixa com amargor. Jogado em uma poltrona de seu escritório –-situado no andar de cima de sua loja de eletrodomésticos feitos na China--, ele se lamenta enquanto continua a cuidar de seus negócios com a ajuda de três celulares e duas calculadoras. "Antes eu importava dois terços de meu volume de atividade sem impostos -–um eufemismo para contrabando", ele explica. "Agora é só um terço."
Contrariado, ele lamenta a pressão crescente das forças policiais, que lhe exigem "que pague mais para fazer vista grossa". Os tempos estão difíceis para o homem de negócios, e ele precisa compartilhar um pouco mais do que antes. Mas enquanto Kasserine se sentir abandonada por Túnis, a fronteira continuará abrigando sua economia paralela, que é ao mesmo tempo uma válvula de escape e uma bomba-relógio.
Atentado contra hotéis na Tunísia deixa mortos e feridos
Ele explica como os contrabandistas "compram a rota", eufemismo usado para se referir às propinas. Para aqueles que não podem pagar, há os jumentos amarrados nos pinheiros, preparados para atravessar a fronteira carregados com preciosos pacotes. Até um membro da guarda nacional reconhece os limites de sua tarefa. "Não é possível combater completamente o contrabando", ele diz. "Se prenderem contrabandistas demais, haverá greves, manifestações e desordem, pois as pessoas aqui só vivem do contrabando."
É um doloroso dilema. Nas regiões pobres do interior da Tunísia, o contrabando –-com a Argélia a oeste e a Líbia a leste-– cumpre uma missão de amortecedor social, ainda que isso possa acarretar toda uma série de efeitos perversos, especialmente a infiltração de armas para células jihadistas cujo aprofundamento, nos últimos anos, tem colocado sob pressão a transição democrática tunisiana. Com seus 220 quilômetros de fronteira compartilhada com a Argélia, a província de Kasserine ilustra perfeitamente a contradição.
Agitação nas redes sociais
De um lado, o governador, Atef Boughattas, admite sem tabus: "A economia do contrabando fornece muitos empregos à população". De outro, a cidade de Kasserine está cercada por montanhas (Chaambi, Semmama, Salloum), onde grupos terroristas se refugiaram, apoiados por redes criminosas transfronteiriças.Entre amortecedor a curto prazo e risco a longo prazo, Kasserine optou pelo primeiro. Quatro anos e meio após a revolução, da qual a região participou na vanguarda, a frustração social continua incubada e o sentimento de abandono só aumenta. A província, com meio milhão de habitantes, tem os piores indicadores socioeconômicos da Tunísia: um índice de desemprego –-oficial-– de 22,7% (contra 14,8% em escala nacional), um índice de desemprego entre pessoas com nível universitário de 46,9% (contra 31,9%), um índice de analfabetismo de 32% (contra 28,8%), um índice de pobreza de 32,3% (contra 15,5%)... "Somos cidadãos de segunda classe", reclama Nabil Kassoumi, representante local da União dos Diplomados Desempregados (UDC).
Nas redes sociais, a agitação é grande, com vários apelos por protestos. "O governo só responde se você sai às ruas", diz desiludido Noumen Mhamdi, um dos ativistas sociais que coordenam a agitação –-"não violenta", ele se apressa para explicar. "Estamos meio assoberbados pelas redes sociais", admite Mohamed Sghaier Saihi, secretário-geral adjunto do braço regional da União Geral dos Trabalhadores Tunisianos (UGTT). Depois de muitas promessas, a população não consegue entender por que o Estado se interessa tão pouco por Kasserine, por que nenhum projeto sério de investimentos nunca foi posto em prática. E a incompreensão alimenta as teorias da conspiração.
"Sentimento de injustiça"
Como advogado e primeiro prefeito do pós-revolução, Maher Bouazi cultiva uma certeza: "Não há uma verdadeira vontade política. O lobby das elites do Sahel –-parte do litoral do leste tunisiano que inclui as cidades de Sousse, Monastir e Mahdia-– se empenha em entravar o desenvolvimento de Kasserine", uma mágoa antiga de uma região interiorana que se considera desprezada por um litoral hegemônico. "É um sentimento de injustiça incurável que vem de muito tempo na história", explica Monia Mhamdi, pesquisadora independente.Então a população de certa forma assumiu ela mesma as rédeas. "Como o Estado não conseguiu desenvolver Kasserine da maneira formal, os próprios habitantes se encarregaram disso informalmente, através do contrabando", explica o prefeito Ridha Abassi. Da Argélia chegam a gasolina, o gás, os eletrodomésticos chineses, enquanto a Tunísia envia para lá produtos alimentícios, cimento... As somas envolvidas são consideráveis. Em vilarejos da fronteira, quase toda a renda local vem do tráfico. Em Kasserine mesmo a proporção é de 30% a 40%, segundo uma aproximação grosseira citada por diferentes fontes.
É verdade que a situação é um pouco mais difícil para essa economia ilícita. Com a intensificação das operações militares contra os insurgentes jihadistas dos montes Chaambi e Semmama nos últimos meses, a fronteira está mais vigiada que durante o período caótico que se seguiu à revolução de 2011. Ali Griri, célebre contrabandista de reputação perversa que prosperou durante o antigo regime e ainda tem certa notoriedade em Kasserine, se queixa com amargor. Jogado em uma poltrona de seu escritório –-situado no andar de cima de sua loja de eletrodomésticos feitos na China--, ele se lamenta enquanto continua a cuidar de seus negócios com a ajuda de três celulares e duas calculadoras. "Antes eu importava dois terços de meu volume de atividade sem impostos -–um eufemismo para contrabando", ele explica. "Agora é só um terço."
Contrariado, ele lamenta a pressão crescente das forças policiais, que lhe exigem "que pague mais para fazer vista grossa". Os tempos estão difíceis para o homem de negócios, e ele precisa compartilhar um pouco mais do que antes. Mas enquanto Kasserine se sentir abandonada por Túnis, a fronteira continuará abrigando sua economia paralela, que é ao mesmo tempo uma válvula de escape e uma bomba-relógio.
Atentado contra hotéis na Tunísia deixa mortos e feridos
27.jun.2015
- A emissora de televisão britânica Sky News obteve neste sábado (27)
imagens exclusivas do tunisiano Seifeddine Rezgui caminhando com uma
AK-47 pela praia em Sousse, na Tunísia, onde ele matou 38 turistas, a
maioria deles britânicos, nessa sexta-feira (26) - Sky News/Reprodução
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