Helena Tecedeiro - DN
Zahran Alloush, fundador do grupo Jaysh al Islam, foi morto na sexta-feira em ataque aéreo | REUTERS/Bassam Khabieh
Desde 2012, 18 mil pessoas vivem cercadas em Yarmouk, sem acesso regular a alimentos ou a água potável
Para
as Nações Unidas, as negociações para pôr fim a cinco anos de guerra na
Síria devem começar em Genebra, a 25 de janeiro. E com a presença não
só do governo de Damasco mas também do "maior espectro possível de
grupos da oposição e outros", afirmou ontem em comunicado. Uma decisão
que a violência no terreno põe em perigo. Isto no dia em que a retirada
de mais de dois mil combatentes do Estado Islâmico no campo de
refugiados de Yarmouk, em Damasco, foi adiada devido à morte, na
sexta-feira, de Zahran Alloush, um líder rebelde.
Os
18 autocarros que deviam transportar os jihadistas e as suas famílias
tinham recebido autorização para passar pelo território controlado pelo
Jaysh al Islam na viagem que os devia levar de Yarmouk, construído em
1948 para receber refugiados palestinianos, a Raqqa, capital de facto do
Estado Islâmico.
Segundo a Manar TV, a
televisão do Hezbollah, o grupo xiita libanês que está na Síria a
combater ao lado das forças do regime de Bashar al-Assad, os autocarros
chegaram ao campo de refugiados na sexta-feira, mas acabaram por receber
ordens para voltar para trás. Apesar do acordo entre o governo e os
jihadistas, a morte de Alloush levou as autoridades a suspender a
transferência por falta de condições de segurança. O fundador do Jaysh
al Islam, de 44 anos, e vários outros membros do grupo rebelde apoiado
pela Arábia Saudita foram mortos durante um ataque aéreo com rockets.
Foi substituído no comando por Issam al-Buwaydani - também conhecido
como Abu Humam -, oriundo de Douma, a leste de Damasco.
Cercados em Yarmouk
Desde
2012 que cerca de 18 mil pessoas vivem cercadas no campo de refugiados
de Yarmouk, rodeadas por combates entre rebeldes e forças do governo. Já
neste ano, o Estado Islâmico tomou o controlo de parte do campo, mas
encontraram resistência das milícias palestinianas e dos rebeldes
sírios. Desde então, Yarmouk está dividido em várias áreas controladas
pelo EI, pela Frente Al-Nusra (afiliada da Al-Qaeda), bem como por
militantes palestinianos pró e antigoverno. As forças de Assad mantêm checkpoints nas fronteiras externas do campo, impedindo os residentes de sair.
Segundo
o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, ONG sediada no Reino Unido, a
retirada dos jihadistas de Yarmouk é apenas uma "pausa logística" até
se conseguir condições de segurança na estrada para Raqqa. O plano passa
por transferir os jihadistas e tornar seguro o campo, de forma a que a
ONU possa levar ajuda às populações que ali vivem. Fundado há quase sete
décadas e destinado a refugiados palestinianos, quando a guerra começou
na Síria, em 2011, viviam lá 150 mil pessoas. Nos últimos dois anos, os
que ali ficaram encurralados, entre eles pelo menos 3500 crianças, não
têm acesso regular a alimentos, a água potável e a cuidados de saúde.
Processo de paz
A
18 de dezembro, o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução
para apoiar um plano internacional para um processo de paz na Síria -
numa rara demonstração de união entre grandes potências mundiais. Esta
resolução dá a bênção da ONU a um plano negociado antes em Viena que
propõe um cessar-fogo, negociações entre o governo e a oposição, bem
como um calendário que em menos de dois anos prevê a criação de um
governo provisório e a realização de eleições.
Damasco
já anunciou estar disposta a juntar-se às negociações de paz em
Genebra, agora marcadas para 25 de janeiro, com o ministro dos Negócios
Estrangeiros sírio, Walid al-Moualem, a garantir na quinta-feira, numa
visita a Pequim, esperar que o diálogo leve a um governo de união
nacional. Iniciada em março de 2011 na sequência da chamada Primavera
Árabe, a revolta popular contra o regime de Assad acabou por se
transformar ao longo dos anos numa guerra de todos contra todos, com
forças fiéis ao regime a lutarem contra vários grupos rebeldes, entre
ele a Frente al-Nusra, com apoio da Al-Qaeda, e uma larga parte do
território sírio sob controlo do Estado Islâmico. O conflito já terá
feito mais de 250 mil mortos e quatro milhões de refugiados. Estes
constituem um enorme desafio para os países vizinhos, mas também para a
Europa, onde têm chegado nos últimos meses em números maciços.
"O povo sírio já sofreu demais"
"O
povo sírio já sofreu de mais", diz o comunicado da ONU a anunciar a
data de início das negociações de paz. Mas a violência no terreno, a
dificuldade para determinar quem vai representar a oposição em Genebra
bem como as divergências sobre o futuro de Assad prometem tornar a paz
uma tarefa difícil.
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