João Almeira Moreira - DN
Barbosa, conta quem o conhece bem, adora dialogar e trocar sorrisos e abraços com os congressistas em Brasília. Tudo ao contrário do antecessor | REUTERS/Ueslei Marcelino
Nelson Barbosa, o novo titular das Finanças, representa um desvio à esquerda no governo Dilma. É conciliador, dizem os apoiantes. É um demagogo, protestam os rivais
É uma tarde de
fim de novembro. No dia seguinte, Dilma Rousseff vai anunciar o novo
ministro das Finanças do Brasil. Nelson Barbosa, membro das últimas
equipas económicas da presidente, com bom trânsito no Partido dos
Trabalhadores (PT), principal sustento político do governo, e na banca,
com a qual manteve relações próximas nos períodos em que esteve fora do
executivo, sonha há anos com o cargo. Mas Dilma sabe que precisa de
domar a crise económica e piscar o olho aos mercados: escolhe o austero
Joaquim Levy e oferece a Barbosa o Ministério do Planeamento. Estávamos
em 2014. Um ano e uns dias depois, o segundo substitui o primeiro e
cumpre o sonho de uma vida: foi por fim anunciado como ministro das Finanças do Brasil.
No
PT festeja-se. No Instituto Lula também. E entre os movimentos sociais
que amparam o governo - os sindicatos e os movimentos sem teto e sem
terra - idem. "O Nelson encarna uma ideia de economia que representa
melhor o partido", disse o presidente do diretório petista em São Paulo,
Emídio de Souza. "Tem mais capacidade e sensibilidade para fazer uma
política de desenvolvimento e criação de emprego", disse Paulo Okamotto,
o presidente do instituto que leva o nome do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, também ele um defensor da "solução Barbosa". Nas próximas
manifestações a favor de Dilma, os movimentos sociais deixarão de
transportar os incómodos cartazes com a inscrição "fora Levy".
No
mercado, a reação é contrária. E sem palavras, com números: dólar volta
a bater nos quatro pontos e a Bovespa, Bolsa de São Paulo, perde quase
três pontos num dia, com o auge a coincidir com a hora do anúncio
oficial de Barbosa. Em Nova Iorque, fundos com ativos brasileiros
apresentam as maiores quedas bolsistas. Editorialistas de publicações
anglo-saxónicas e tubarões do mercado nacional e internacional usam a
expressão "desilusão" para definir a troca de ministros. As perdas
recentes de grau investimento na Standard & Poor"s e na Fitch são o
pano de fundo. A crise no Brasil é, aos olhos do mercado e da maioria
dos brasileiros, sobretudo económica. Mas na essência é política, fruto
de uma relação entre executivo e poder legislativo que bloqueia o país.
Ora Barbosa, 46 anos, professor e investigador nas principais
universidades brasileiras, doutorado em Economia pela New School for
Social Research, de Nova Iorque, é economista e político. Ao contrário
de Levy, que era apenas economista. Barbosa, contam os próximos, adora
dialogar e trocar sorrisos e abraços com os congressistas em Brasília. E
estes adoram quem lhes dê abraços e um sorriso. O antecessor fazia-o
raras vezes e a contragosto.
Desenvolvimentista
e keynesiano, como é definido pela imprensa, o carioca Barbosa também é
acusado de demagogo pelos rivais, como a revista Veja, declaradamente
anti-PT. Com o liberal, austero (e um bocadinho burocrata demais) Levy,
travou um braço de ferro permanente, com o primeiro a vociferar "corta" e
o segundo a rosnar "abranda" a cada questão, a cada conta, a cada meta,
a cada número. "Eu sou do Vasco, ele é do Botafogo, eis a divergência",
disse Barbosa, tentando suavizar, com jogo de cintura e uma frase de
efeito, a relação com Levy. Deste, a única frase futebolística que se
ouviu foi um "oh, que pena...", quando lhe disseram que se não aprovasse
uma medida para ajudar os clubes de futebol o seu amado Botafogo iria
falir.
Mudança
Barbosa
tem experimentado, no entanto, um discurso que o afaste do estereótipo
de brando a lidar com as contas públicas. "Não acredito num debate
macroeconómico baseado em rótulos", disse na posse; deu entrevistas à
imprensa estrangeira a falar em "reforma na Segurança Social e nas leis
laborais"; de repente, surgiram notícias a detalhar os cortes que
realizou enquanto ministro do Planeamento na máquina do Estado. "Ele
empenha-se em refazer a própria imagem, na busca de uma confiança há
muito perdida, não deu certo nem poderia dar, exceto se houvesse um
surto de amnésia", escreveu O Estado de S. Paulo, crítico do governo.
Barbosa começa a perceber que o cargo de ministro das Finanças do
Brasil, que consumiu o seu antecessor, não é o emprego dos sonhos.
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