Tenham aneurismas à terça-feira
Ferreira Fernandes - DN
Temos
interesse em ver o caso do jovem deixado morrer no Hospital de São José
como isso mesmo, um caso. Assunto público, como a saúde. Na carta da
namorada duas frases contam a história. Ao ir de ambulância, ela
disse-lhe: "Eles vão cuidar de ti." Leia-se, para tirarmos das palavras a
carga sentimental: o Estado, nas obrigações que lhe cabem de saúde dos
cidadãos, vai cumprir o que deve. Na segunda frase, ao chegar ao
hospital, a namorada ouviu: "Infelizmente calhou numa sexta-feira."
Leia-se: as obrigações do Estado, neste caso, interrompem-se ao fim de
semana. Enfim, tenham aneurismas às terças ou quintas. Ao fim das duas
frases, depois da esperança ("vão cuidar") e da resignação ("calhou"),
matou-se um homem. Os cortes foram longe de mais nos hospitais, diz-se
agora. E também se diz que, apesar dos cortes cegos, havia mecanismos
que, no caso de David Duarte, não foram seguidos. Os entendidos vão
(vão?) tirar conclusões e os responsáveis decidiram que haverá, já,
equipas de neurocirurgia nos hospitais adequados, aos fins de semana.
Nós, os que sofremos de não saber o que é organizar a saúde pública (e
acreditem, somos muitos, apesar do que vão ler nos jornais por estes
dias), nós, os leigos, deveríamos ficar pelo essencial. E o essencial é:
aquela frase - qual é a parte de "não há dinheiro" que não entendeu? -,
tão batida a partir de 2011, era criminosa. Cheia de bom senso, mas
prenhe de crimes. Este foi mais um.
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