Leonídio Paulo Ferreira - DN
Nem Nawaz Sharif nem Narendra Modi podem ser chamados de pombas. O primeiro foi o homem que numa anterior passagem pela chefia do governo, em 1998, ordenou os testes que oficializaram o Paquistão como potência nuclear. O segundo, primeiro-ministro desde 2014, lidera os nacionalistas hindus, cujo próprio nome justifica as muitas reticências que a sua chegada ao poder gerou entre os muçulmanos da Índia e não só. Ou seja, o mais apropriado será etiquetá-los de falcões, o que tendo em conta exemplos recentes talvez seja meio caminho andado para que Paquistão e Índia passem de irmãos inimigos a só irmãos.
Sharif recebeu ontem de braços abertos Modi em Lahore. Não foi o primeiro encontro entre ambos, até porque Sharif foi convidado a assistir no ano passado em Nova Deli à tomada de posse de Modi, mas foi a primeira visita de um primeiro-ministro indiano ao Paquistão em mais de uma década. E é um sinal de que ambos os líderes percebem que os povos têm muito mais a ganhar com um futuro de cooperação do que com a exultação de um passado de conflito. Até porque com 190 e 1250 milhões de habitantes, respetivamente, tanto o Paquistão como a Índia precisam de investir mais no crescimento económico e menos nas despesas militares para lidar com uma população que cresce sem parar e exige melhores condições de vida aos seus governantes.
Nascidos
em 1947 da partição da Índia britânica, o Paquistão "pátria dos
muçulmanos" e a Índia "laica" têm uma história de conflito que começa
logo no momento da separação, com trocas de populações (muçulmanos num
sentido, hindus e sikhs noutro) e massacres. Foi uma tragédia que
ocorreu quase há 70 anos, mas que continua bem viva na memória, basta
pensar que Manmohan Singh, ex-primeiro-ministro indiano, nasceu no atual
Punjabe paquistanês ou que o general Pervez Musharraf, durante uma
década presidente do Paquistão, se orgulha de ser um filho de Deli.
No
historial de rivalidade entre Paquistão e Índia há também três guerras,
duas delas sobre a soberania de Caxemira, uma região dos Himalaias
dividida por uma fronteira oficiosa e reivindicada na totalidade por
ambos os países. A terceira guerra indo-paquistanesa teve que ver com o
Bangladesh, que as tropas indianas ajudaram a ganhar a independência em
1971, pondo fim àquilo que durante mais de duas décadas fora o Paquistão
Oriental.
Tanto Sharif (que ontem fez
66 anos) como Modi (uns meses mais novo) nasceram já depois da partição.
Com reputação de duros, o que não impediu Sharif de ter sido derrubado
pelos militares em 1999, os dois terão de ultrapassar muitas
desconfianças para avançar para uma verdadeira normalização das
relações. Sharif sobretudo vai ter de convencer os generais, sempre
desconfiados da Índia, muito maior e também potência nuclear, enquanto
Modi enfrentará certamente resistência da ala mais extremista do
partido, que vê o Paquistão como inimigo e os muçulmanos indianos como
uma possível quinta coluna.
Além da
questão de Caxemira, onde há trocas esporádicas de tiros, há ainda que
ultrapassar outros focos de tensão, como a acusação indiana de que o
vizinho promove o terrorismo no país ou a suspeitas paquistanesa de que a
Índia tudo faz para transformar o Afeganistão num aliado nas traseiras
do irmão inimigo (Modi regressava de uma visita a Cabul quando aterrou
em Lahore).
Mas é o serem falcões que
lhes dá autoridade para negociar com o inimigo, tal como no passado
fizeram o israelita Yitzhak Rabin e o palestiniano Yasser Arafat ou os
sul-africanos Nelson Mandela e Frederick de Klerk. E o otimismo ainda
pode ser maior se os falcões perceberem de negócios: Sharif vem de uma
família de empresários, Modi, filho de um vendedor de chá, tornou-se
célebre como o pai do milagre do Gujarate. É disso que paquistaneses e
indianos precisavam hoje, riqueza, não guerra.
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