Mais jovem dos suspeitos pretendia viajar para a Síria e se alistar no Estado Islâmico
Família confirma que rapaz preso chegou a tirar passaporte e juntar dinheiro para visitar país do Oriente Médio
Vera Araújo - O Globo
A mãe de Alisson na porta do quarto onde o filho costumava ficar sozinho, navegando nas redes sociais num computador feito a partir de sucata: o jovem não permitia que ninguém entrasse no cômodo - Domingos Peixoto
RIO - Foi do teclado gasto de um computador reciclado que o mais novo dos 11 suspeitos presos pela Polícia Federal por terrorismo começou a se comunicar diretamente com integrantes do Estado Islâmico. Não saía de casa, passava horas nas redes sociais. No ano passado, depois de trabalhar como empacotador num supermercado da Região dos Lagos, nos fins de semana, onde recebia R$ 30 por dia, Alisson Luan de Oliveira, de 19 anos, economizou o suficiente para tirar o passaporte. Por pouco, não concretizou um sonho: viajar para a Síria, com a determinação de se alistar nas fileiras do EI. O plano só não foi adiante por que o padrasto, desconfiado, apelou para uma medida drástica: deixá-lo sozinho e com a geladeira vazia. Por três meses, viajou com a mulher, e Alisson teve que gastar o pouco que conseguia para se alimentar. Era um gesto desesperado da família pobre para tentar conter um jovem que fugia completamente ao seu controle.
— Quando o deixamos aqui sozinho, ele teve que se virar. Foi tempo suficiente para o alistamento da Síria se encerrar e ele não ter dinheiro suficiente para viajar — contou a mãe de Alisson, que pediu para não ser identificada, temendo represálias.
“SETE VIRGENS NO CÉU"
Estudiosos sobre o que leva jovens a abdicarem da vida para se juntar à causa jihadista acreditam que muitos vêm de meios sociais adversos e encontram no fundamentalismo religioso uma tábua de salvação. Na época em que Alisson desenvolveu a obsessão de se alistar, os jihadistas tinham anunciado o recrutamento de brasileiros, justamente porque seus nomes não integravam as listas de agências internacionais de inteligência que monitoram terroristas. A mãe de Alisson, que trabalha como faxineira, contou ao GLOBO que o filho já tinha reservado R$ 800 para a viagem.
— Não sei se eram essas pessoas presas ou se era alguém da Síria que ia completar o restante do dinheiro. Ele não contava os detalhes para a gente. Ele dizia: “Sou muçulmano”. E repetia que tínhamos que respeitar a religião dele. Dizia que, se morresse, teria sete virgens no céu. Ele mesmo era virgem. Ele vai me matar se souber que contei isso — comentou ela, acrescentando que o filho nunca viajou ao exterior.
A família, que mora numa casa humilde inacabada — o entulho encobre quase toda a varanda —, conta que sempre foi contra a opção religiosa de Alisson. Nas duras condições em que vivem, dificilmente poderão pagar a um advogado ou mesmo visitar o rapaz no presídio federal de Campo Grande (MS). O jovem vivia recluso no quarto, repleto de teias de aranha e de poeira. A mãe e o padrasto eram impedidos de entrar lá.
A equipe do GLOBO foi autorizada a visitar o local. O aspecto do cômodo, de cerca de seis metros quadrados, é claustrofóbico. Há uma janela, mas fica todo o tempo fechada. Na casa, além da entrada e dos fundos, só o banheiro tem porta. Uma cortina encardida de renda branca separa o quarto de Alisson da cozinha. No cômodo há uma cama, uma cômoda sem uma das quatro gavetas e dois ventiladores só com as pás, que mais parecem sucata.
Na janela, uma cortina de azul pálido, com estampas de ursinhos, é da época em que ele estava no jardim de infância. Outras referências de um tempo em que Alisson era um menino como outro qualquer são um escudo do Botafogo e duas bolas de futebol. Foi só o que restou desde que, há dois anos, ele abandonou o 9° ano, após repetir por faltas. Antes de o Conselho Tutelar ser acionado, a mãe conta que a escola a chamou para discutir o comportamento quieto e desinteressado do aluno, que não “gostava de estudar as coisas do colégio”. A mãe, a pedido dele, trancou a matrícula. Não insistiu em demovê-lo da ideia.
Dividem espaço nas prateleiras de madeira bruta do quarto livros como o Alcorão e “A chegada do Terceiro Reich”.
— Ele é muito inteligente. Lê esses livros num dia só! Faz tradução do árabe para o português. Eu fiquei preocupada com isso. Disse que não o queria metido nessas coisas, mas ele me respondia: “Mãe, é a minha religião. Você tem que respeitar” — lembra ela.
Enquanto a mãe saía para trabalhar e o padrasto circulava pela cidade em busca de lixo eletrônico jogado nas ruas — que catava a fim de vender para reciclagem —, Alisson passava o dia trancado em seu universo particular, que acessava através de um computador montado a partir de um HD restaurado. De companhia, sete gatos que perambulam pela casa.
— Criei sozinha Alisson e o irmão. Alisson era uma criança levada e alegre. Depois que ele se envolveu com essa gente, ficou diferente — lamentou a mãe.
A vida do jovem, que nunca conheceu o pai, mudou do dia para a noite. A mãe conta que ele passou a seguir à risca os ensinamentos muçulmanos. Lia o Alcorão, guardava o ramadã (mês em que se jejua), rezava para Alá e frequentava uma mesquita em São Paulo. Na quinta-feira, ao ser preso, pediu aos agentes da Polícia Federal que o deixassem levar um tapete, sobre o qual se ajoelha para rezar. Recebeu autorização. Também implorou para que não tocassem no Alcorão. Ele tem dois, e os policiais permitiram que levasse o livro menor e mais antigo.
— Os policiais federais foram muito educados. Não colocaram arma na cabeça da gente. Pedimos a eles que não algemassem o Alisson, pois era muita vergonha para a gente diante dos vizinhos. Eles nos respeitaram — contou o padrasto, que chegou a parar de pagar a internet a fim de que o serviço fosse interrompido, mas a operadora mantinha a rede em funcionamento.
POLÍCIA SABIA ATE COR DO CELULAR
Para a família, Alisson era monitorado há pelo menos quatro meses pela PF. Foi o período em que encomendas que ele recebia da mesquita apareceram violadas.
— Eles sabiam de detalhes íntimos da família. Tanto que foram direto ao quarto dele. Sabiam exatamente o que procuravam. Perguntaram sobre um celular branco que nem a gente sabia que existia — conta o padrasto.
O cerco à casa começou às 2h de quinta-feira, segundo vizinhos. Os agentes se esconderam no mato até o amanhecer. Bateram na porta e se dirigiram para o quarto de Alisson, que tentou sem sucesso esconder o tal celular branco embaixo do travesseiro do padrasto. A PF também levou o aparelho da mãe, nove HDs, uma faca e alguns livros.
— Fico mais tranquila em saber que a Polícia Federal está cuidando dele. Quem sabe ele não acaba com essa bobagem. A minha preocupação agora é que todos o estão tratando como se fosse o bin Laden. Sou mãe, tenho certeza de que ele não seria capaz de matar as pessoas. Ele sofreu uma lavagem cerebral por parte desses malucos. Chegou a tal ponto, que comprou um turbante pela internet, mas não teve coragem de sair na rua com ele — disse a mãe, que acredita que a ordem de prisão vai transformá-lo. — Ele não é de chorar mesmo. A avó dele morreu, e não escorreu uma lágrima do rosto dele. Alisson é duro na queda, mas acho que ele sofreu um baque. Ele não esperava. A polícia vai consertar meu filho. Não levei a sério esse fanatismo.
A lembrança mais forte de Alisson na casa agora são as palavras em árabe que escreveu, de próprio punho, na parede branca e suja de seu quarto. São dizeres da bandeira do EI, o shahada, compromisso que todo muçulmano deve fazer: “Não há Deus senão Alá”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário