Vocábulo designa organismo tomado por uma infecção, que pede, necessariamente, um remédio pesado
Reinaldo Azevedo - VEJA
Por
que o nome da nova fase da operação Lava-Jato é “Sépsis”? É uma boa
questão. Isso traduz menos uma especificidade desta fase do que uma
avaliação que é de caráter político. Explico. “Sépsis” significa a
presença de elementos patogênicos num organismo, especialmente aqueles
que provocam pus. Um bom sinônimo é infecção. Eis a origem da palavra
septicemia, que é a infecção generalizada. Na origem grega, o vocábulo
designa “putrefação”.
A fase
“Sépsis”, como vocês poderão constatar, é espalhada, infesta o organismo
todo, tem vários focos. Num possível eixo, há Fábio Cleto, um homem
ligado a Eduardo Cunha, mas não só. A febre vem também de outros
lugares.
Um dos
delatores, por exemplo, Nelson Mello, afirmou ter doado, por meio de
contratos fictícios, R$ 5 milhões em caixa dois para a campanha do
senador Eunício Oliveira ao governo do Ceará em 2014. O pagamento teria
ocorrido a pedido do lobista Milton Lyra, que foi alvo de buscas
determinadas pelo Supremo Tribunal Federal nesta sexta. Ele é ligado à
cúpula do PMDB no Senado.
Em acordo
de delação premiada, Mello contou ainda que procurou a Lava-Jato de moto
próprio, depois de perceber que “ultrapassara os limites morais e
éticos” ao efetuar pagamentos a Lyra. Segundo o delator, ao tomar
consciência dos erros, ele teria ficado incomodado e resolveu procurar o
Ministério Público. Data vênia, acho história da Carochinha. Mas não me
perco nisso agora.
A dita
fase “Sépsis” expressa uma convicção e uma leitura da realidade: todo o
organismo político brasileiro está contaminado, nada escapa. Notem que a
Lava-Jato vai virando uma matrioska, aquela boneca russa, mas com uma
singularidade: de dentro de uma, sempre sai outra, como a original, mas
ela também gera rebentos novos.
A cada
dia, o encaminhamento das investigações e das delações — e os
procuradores dizem que não se investigou nem a metade — aponta para a
inexistência de partidos e políticos ao mesmo tempo viáveis e honestos. É
a infecção. É o corpo doente. É a putrefação.
O
Ministério Público Federal, ou parte dele, julga ter o remédio adequado,
o único antibiótico cabível, que são as suas 10 Medidas Contra a
Corrupção — ainda volto ao ponto. Algumas delas não vigoram nem em
ditaduras. Mas a mensagem está dada: se querem salvar o corpo doente,
tem de ser um remédio radical.
Essa
matrioska apresenta ainda outra particularidade. A de verdade tem uma
última bonequinha. A Lava-Jato não! É claro que a Sépsis vai levar a
novos criminosos, que, por sua vez, podem fazer delação, comprometendo
outros tantos. Em breve, será preciso fazer o Manual das Operações de
Nomes Significativos da Força-Tarefa. Mais um pouco, o Brasil vira a
Casa Verde de Itaguaí, do conto “O Alienista”, de Machado de Assim.
Quase não sobra ninguém fora da cela.
“Ah, então
vamos parar tudo?” Não! Que se investigue tudo. Mas talvez seja o caso
de um pouco de método. É só uma consideração. Pessoalmente, não me
importo que vá até o último homem…
Só acho
que é preciso tomar cuidado com a ideia da “Sépsis”. Já escrevi aqui uma
vez: eu nunca gosto quando questões que dizem respeito à política e à
sociedade são associadas a doenças, especialmente as que costumam ser
acompanhadas de amputações, né?
Melhor é a
gente achar, e lutar por isto, que as coisas têm remédio. E que, como
dizia Padre Vieira, é sempre bom ter o remédio que remedeia os remédios.
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