Reformas, sem Temer
Agora é encontrar logo um novo presidente, para fazer exatamente a mesma coisa que Temer fazia — sem os encontros com Joesley
Carlos Alberto Sardenberg - O Globo
O processo
de recuperação da economia brasileira consiste na saída da recessão, já
obtida, e na volta do crescimento, ainda por vir. Esse movimento se
baseia, no essencial, em cinco políticas.
A primeira é monetária: a forte redução dos juros posta em prática pelo Banco Central.
A segunda se faz pela votação das reformas trabalhista e da Previdência.
A terceira trata do ajuste de contas de União, estados e municípios, já
encaminhada com a aprovação do teto de gastos públicos, mas dependente
da reforma da Previdência e da lei de recuperação dos governos
estaduais.
A quarta perna do processo está nas concessões e privatizações, principal via para a retomada dos investimentos.
O quinto movimento é a reorganização e saneamento da administração
pública, incluindo as estatais e bancos públicos. Exemplo maior: a
recuperação da Petrobras.
Tudo isso depende de uma complexa
combinação de fatores econômicos, políticos e da confiança dos agentes,
dos grandes operadores no mercado financeiro até o pequeno empresário.
(E cito este exemplo porque, na última quinta, quando estourava o caso
Temer/JBS, eu tratava de uma compra com o proprietário de um comércio de
móveis. Ele estava desolado, triste mesmo. Dizia: “Justo agora, parecia
que estava melhorando, eu acabo de alugar uma nova loja”.)
E se a
crise permanecer por muito tempo? Isso quer dizer o seguinte: e se
Michel Temer, abatido politicamente, conseguir resistir nos tribunais e
manter-se no Planalto por alguns meses? O que acontece com as cinco
políticas listadas acima?
A inflação muito baixa autoriza o Banco
Central a continuar derrubando juros. Mas a desconfiança na
continuidade da política econômica significa desconfiança na capacidade
do governo de equilibrar as contas públicas. Assim, a perspectiva passa a
ser de piora do déficit e da dívida do governo. Consequência: sobe a
taxa de juros no mercado. Devedores duvidosos pagam juros mais caros.
Gastando mais com juros, as contas do governo pioram ainda mais e lá se
vai a coisa. Isso reduz o espaço para o BC reduzir juros.
Nem é
preciso falar da votação das reformas. O atraso ou, no limite pior, o
cancelamento tem o mesmo efeito de gerar descrença no equilíbrio do
setor público, sem o qual nada avança.
Idem para o ajuste dos estados, que depende da votação de lei de recuperação no Congresso.
Os leilões de concessões e privatizações não precisam do Congresso. Já
existem as regras básicas, que podem ser ajustadas pela administração.
Aliás, já foram feitos leilões bem-sucedidos de concessão de linhas de
transmissão de energia elétrica.
Ocorre que o sucesso aqui
depende da boa participação do capital estrangeiro, já que o nacional
anda escasso ou enrolado na Lava-Jato. E a vinda de capital estrangeiro
depende, primeiro, da oferta de boas oportunidades e, segundo, da
manutenção das regras do jogo. Há oportunidades. Já a confiança no
jogo...
A quinta política, reorganização da administração
pública, também não depende do Congresso, mas de um governo forte e
atuante. Claro que não se aplica ao governo Temer.
Tudo
considerado, as forças políticas unidas em torno daquelas cinco
políticas — simplificando, o pessoal das reformas e ajuste das contas
públicas — precisa de um duplo arranjo. Primeiro, manter de pé a agenda
de reformas. Pode atrasar o cronograma de votações, o que, aliás, é
inevitável, mas precisa ter algumas datas marcadas. E segundo, claro,
encontrar um novo presidente. Isto feito, o pessoal arranja um jeito de
substituir Temer, certamente pela via da eleição indireta no Congresso.
Não é fácil, mas há claros movimentos nessa direção. Quando PSDB, DEM e
agregados se uniram em torno de Temer e seu PMDB, não estavam aderindo a
Michel Temer, mas a uma oportunidade de encaminhar reformas e ajustes,
tirar o país da recessão e apresentar-se na eleição de 2018 com a carta
da volta do crescimento.
Ora, o objetivo continua o mesmo. O jogo
político também — criar condições para o avanço das reformas no
Congresso —, mas as cartas foram misturadas de novo. O lance agora é
encontrar um novo presidente o mais rapidamente possível, para fazer
exatamente a mesma coisa que Temer fazia — sem os encontros com Joesley,
sem assessores que, vira e mexe, correm com malas de dinheiro e vão em
cana.
Não é simples, mas não há outra saída para as forças
políticas que entraram na agenda das reformas. Ou conseguem organizar
isso ou a tsunami arrasta todos eles, uma vez que não podem simplesmente
aderir ao Fora Temer, Fora reformas. Esse campo já está ocupado.
Portanto, só lhes resta o mote: Reformas, sem Temer.
Os políticos agem mais por necessidade do que por virtude.
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