Presidente toca fogo no Twitter e dá um duplo mortal carpado no bate-boca verbalmente cada vez mais violento com a imensa maioria da imprensa americana
Quem está certo, o presidente que esculhamba jornalistas ou os jornalistas que o esculhambam sem parar?
Para os que ainda acreditam que o último ex-presidente do Brasil foi tratado de forma injusta pela imprensa, um rápido estágio na frente de uma televisão americana mostraria que ele recebeu tratamento praticamente real.
Trump é incessantemente chamado de bruto, autocrata (a maluquice da moda), desequilibrado, louco, racista, desrespeitador de todos os direitos fundamentais (com todos os prefixos que precedem as incontáveis fobias do mundo atual). E, principalmente, de traidor a serviço da Rússia.
Logo, logo será não só afastado por impeachment como levado a ferros para as masmorras mais profundas – metafóricas, evidentemente. Quando isso não acontece, a frustração fica maior ainda e a esgrima verbal fica mais agressiva.
Muitas vezes, a imprensa anti-trumpista, em especial a da televisão, um meio naturalmente mais quente, parece ter sido tomada por uma espécie de delírio. Todas, absolutamente todas as notícias sobre Trump são dadas de maneira negativa. Há casos em que chegaram a falar palavrões ao vivo.
Nos canais de notícias a cabo a situação chega a ser constrangedora. Tornaram-se veículos de propaganda, na pior tradição das televisões de países autoritários. Em vez de só falar bem, como estas, só falam mal, furiosamente.
A CNN, que era uma espécie de meio de referência, aqueles que outros jornalistas usam como fonte de informações confiáveis, virou praticamente um pastiche. Está atualmente enrolada com a demissão de três jornalistas por terem divulgado uma notícia falsa em relação às conexões russas da turma de Trump, cada vez mais difíceis de provar, embora ainda haja um grande caminho pela frente.
Se fosse demitir todo mundo que falseia notícias sobre Trump, a CNN praticaria fratricídio jornalístico em massa. O melhor meio de ficar mal informado ou desinformado sobre a situação política nos Estados Unidos vem justamente de um canal pioneiro, com uma enorme folha de serviços prestados ao jornalismo.
PESO DO SOBRENOME
Em resposta, Trump transformou o Twitter numa arma de destruição em massa. O mais recente deles atingiu Joe Scarborough e Mika Brzezinski, apresentadores de um programa na MSNBC que se apaixonaram no trabalho e viraram um casal, depois de separados dos respectivos cônjuges.
A história de ambos é fascinante. Ele foi deputado pelo Partido Republicano de 1995 a 2001, participando de um grupo chamado Federalistas, inspirados nos artigos de mesmo nome de James Madison e outros gênios criadores do sistema democrático americano.
Renunciou no quarto mandato para ficar mais perto dos filhos, começou uma carreira como comentarista político e acabou ganhando o programa Morning Joe, um matutino, evidentemente.
Mika Brzezinski só usa profissionalmente o primeiro nome, por motivos óbvios, mas tem um sobrenome de peso – e também o peso do sobrenome. É filha do mais impronunciável ainda Zbigniew Brzezinski, recentemente falecido.
O cientista social criado no Canadá e nos Estados Unidos, ele próprio filho de um diplomata polonês que serviu na Alemanha nazista e na União Soviética stalinista, foi assessor de Segurança Nacional durante o governo de Jimmy Carter.
Estava no governo no momentoso anos de 1979, marcado, entre outras guinadas dramáticas, pela revolução dos aiatolás no Irã e a invasão soviética do Afeganistão. Ambos episódios foram muito negativos para os Estados Unidos.
Toda a família Brzezinski foi se aproximando da ala mais à esquerda do Partido Democrata. Scarborough também foi ficando menos republicano. O encontro profissional e sentimental de Joe e Mika selou esse caminho, turbinado pela campanha de Donald Trump, conhecido tão próximo de ambos que chegou a sugerir que se casassem em seu castelo-hotel de Mar-a-Lago.
TUÍTE ASSASSINO
E também cada vez mais execrado, em especial por Mika, conhecida pela metralhadora verbal e o cabelo curto muito loiro. Sara Sanders, filha do pastor televisão Mike Huckabee e porta-voz número dois de Trump, enumerou algumas coisas que ela já disse sobre o presidente: “Profundamente burro, distúrbio de personalidade, doente mental”.
No dia do tuíte assassino, Mika estava ridicularizando Trump por ter emoldurada uma foto em que aparece na capa da revista Time – uma montagem frequente e, em si, inocente. Trump respondeu chamando Joe de psicopata, ou “psycho”. E a co-apresentadora de “Mika maluca de QI baixo”.
Disse que no Ano Novo os dois tentaram três vezes seguidas falar com ele em Mar-a-Lago. Mas não os recebeu porque Mika “estava sangrando muito de uma plástica no rosto”.
Claro que, se estivesse nesse estado, teria sofrido ruptura de pontos, que nessas cirurgias ficam escondidos atrás da orelha. Deveria receber atendimento médico, não tentar uma conversa ou entrevista de improviso. Se houvesse alguma operação plástica e algum sinal dela, provavelmente seriam hematomas.
E claro que a palavra “sangrando” evocou outro episódio: quando Trump falou que Megan Kelly, então apresentadora da Fox News, tinha “sangue nos olhos e sei lá mais aonde” quando fez uma pergunta cortante a ele num dos primeiros debates da campanha presidencial.
A referência lembrou claramente menstruação como sinônimo de desequilíbrio emocional feminino, com as previsíveis reações, agora redobradas no caso de Mika.
SEM FILTRO
Para observadores com distanciamento crítico, os tuítes de Trump são uma preciosidade, uma ligação sem precedentes com o pensamento bruto – no sentido de sem filtro – de um presidente americano no calor dos acontecimentos.
Também causam desconforto pela crueza da linguagem e por aumentar o clima de violência verbal – este, levado a níveis também sem precedentes pela cobertura de uma imprensa cujo tom “realmente demonstra o viés anti-Trump”, nas palavras do anti-trumpista educado Bob Woodward.
Educação, ou falta dela, é um fator também mencionado por conservadores que se arrepiam com a trolagem profissional de Trump.
Os trumpistas têm sempre duas respostas praticamente unânimes: 1) o presidente faz muito bem em responder aos ataques à altura; 2) John McCain e Mitt Romney agiram como cavalheiros bem educados e tanta fineza resultou em duas vitórias consecutivas de Barack Obama.
É para essa turma que Trump tuíta, seguindo uma estratégia reforçar os convertidos. Em quatro eleições complementares isoladas desde que assumiu, os republicanos ganharam. No prazo médio, pelo menos, Trump precisa mostrar resultados na economia, com prognósticos atualmente positivos. O maior pântano, no plano interno, é a re-reforma do sistema de saúde, com obstáculos criados pelos próprios republicanos.
Na política externa, que nos Estados Unidos tem efeitos imediatos sobre a interna, resultados são a mais longo prazo. Por enquanto, o governo Trump pode dizer que o regime de Bashar Assad não voltou a usar armas químicas na Síria depois da saraivada de Tomahawks e do aviso que haveria mais a caminho.
As advertências da Rússia sobre potenciais conflitos com os americanos na Síria até agora ficaram no campo da parolagem obrigatória. Vai ser muito interessante ver o primeiro encontro de Trump com Vladimir Putin, na semana que vem, durante o encontro do G20.
O Estado Islâmico praticamente já perdeu em Mosul. O último reduto será Raqqa, com o previsível “vazamento” de mais atentados em países europeus.
Kim Jong-Un continua a ser um menino muito, muito mau na Coreia do Norte. Para lidar com seus brinquedinhos nucleares, não há palavrório que dê conta. Nem do Trump trolador nem da “Mika maluca”. De todos, porém, é possível esperar novas e imperdíveis maluquices.
Nenhum comentário:
Postar um comentário