Cadê o (dinheiro do) Amarildo?
Instituto de Defesa dos
Direitos Humanos (DDH) ficou com quase 80% do que foi arrecadado em
campanha para a família do pedreiro. Viúva e cinco dos seis filhos moram
em uma casa de dois quartos que precisa de reformas
Gabriel Castro - VEJA
Desde julho do ano passado, o pedreiro Amarildo Dias de Souza é o
símbolo máximo da luta contra a ação de maus policiais no Rio de
Janeiro. O "Cadê o Amarildo?" foi usado tanto para cobrar providências
como para embalar a série de manifestações contra o governador Sérgio
Cabral. O corpo do homem de 43 anos que, para o Ministério Público, foi
torturado e morto por PMs de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP),
nunca foi encontrado. A família do pedreiro passou a viver, depois de
seu desaparecimento, num quadro agravado da pobreza na qual já se
encontrava. Uma bem intencionada campanha conclamou artistas,
intelectuais e doadores a contribuir com a viúva e os seis filhos do
pedreiro. O “Somos Todos Amarildo” deu resultado. Comandado pela
empresária e produtora Paula Lavigne, o projeto arrecadou 310.000 reais
em dois eventos: um leilão de arte e objetos de famosos e um show no
Circo Voador, com participação de Caetano Veloso e Marisa Monte. A
família do pedreiro, no entanto, ficou com a menor parte: com a compra
de uma casa e de mobília, foram gastos, respectivamente, 50.000 e 10.000
reais. O restante do dinheiro – 250.000 reais – ficou com o Instituto
de Defesa dos Direitos Humanos (DDH), ONG que se tornou notória por
defender black blocs e tem, entre seus diretores, um assessor do
deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), o advogado Thiago de Souza
Melo.
Um dos organizadores do evento, que pede para não ser identificado,
afirmou ao site de VEJA que, desde o início, a família sabia que não
ficaria com o montante total do dinheiro – apesar de o uso do nome do
pedreiro dar a entender que o valor seria destinado a ela. Mas foi
informada, na ocasião, que ficaria com metade – o que, nos valores de
fato arrecadados, corresponderia a 125.000 reais. “Soubemos na época que
ficaríamos com metade. Como recebemos 60.000, eu pensava que o total
era de 120.000”, diz Anderson Dias, de 21 anos, o primogênito, que
administra, com a mãe, Elizabeth, as contas da família.
Moram na casa, além dos dois, os filhos Amarildo, de 18 anos;
Beatriz, 13; Alisson, 10; e Milena, 6. Todos em uma casa de dois
quartos, sala, cozinha e banheiro. Só um dos filhos de Amarildo –
Emerson, de 20 anos – não vive no imóvel. A área de serviço – que não
tem janela – está sendo adaptada para servir como dormitório. Segundo
Anderson, a casa que a família recebeu é uma construção antiga, com
defeitos na rede elétrica e na parte hidráulica. Devido aos problemas
encontrados, os filhos procuraram o advogado João Tancredo, presidente
do DDH, para saber sobre a possibilidade de uma reforma. “Fiz um
orçamento no valor de 45.000 reais. Mas Tancredo me disse que não tinha
mais dinheiro", afirma.
Os 10.000 reais que a família recebeu para comprar os móveis para a
casa também não foram suficientes. Elizabeth não conseguiu comprar mesa,
cadeiras e fogão. "Fiz uma lista com o que era indispensável, mas tive
que cortar muita coisa. Não deu nem para comprar o fogão. Pedi a minha
cunhada para usar o cartão dela e vou pagando aos poucos", conta
Elizabeth. "Não tive coragem de pedir mais dinheiro, porque achei que a
outra parte seria destinada a outras pessoas pobres. Mas vou conversar
sobre isso com o advogado".
O presidente do DDH afirma que o acordo previa o repasse para a
entidade de aproximadamente 250.000 reais obtidos com o leilão e o
show. "Inicialmente, o projeto se resumiria a arrecadar fundos para a
aquisição de uma casa em condições adequadas para a família de Amarildo.
Mas logo se viu que seu desaparecimento não era um caso isolado",
explicou Tancredo, por e-mail, ao site de VEJA. Segundo ele, os recursos
serão aplicados em um “projeto ainda indefinido”. As opções aventadas
pela ONG envolvem o custeio de uma pesquisa para traçar o perfil dos
desaparecidos, um serviço de atendimento de familiares de desaparecidos,
o acompanhamento jurídico de casos do tipo ou a formação de uma rede
para debater o tema. É dificil acreditar que quem contribuiu com
o “Somos Todos Amarildo” desejava que seu dinheiro tivesse esse destino
incerto. O cheiro de oportunismo é fortíssimo.
A decisão sobre o uso dos recursos — dizem os responsáveis pelo DDH —
deve sair a partir do segundo trimestre do ano, quando será formado um
comitê de "notáveis e pesquisadores".
O DDH ficou conhecido nacionalmente depois da morte do cinegrafista
Santiago Andrade. A ativista Elisa Quadros, conhecida como Sininho,
ofereceu assistência jurídica a um dos acusados pelo crime, o tatuador
Fábio Raposo Barbosa – conhecido como “Fox”. Como Sininho citava o nome
de Marcelo Freixo, acabou envolvendo o deputado na confusão. O
instituto, que tem atuado em favor de manifestantes detidos pela polícia
durante protestos no Rio de Janeiro, chegou a defender Raposo em
outubro, antes do episódio que tirou a vida do funcionário da TV
Bandeirantes.
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