sábado, 29 de março de 2014

Idosos da Califórnia têm alto índice de pobreza
San Francisco Chronicle - NYT 
Allen Stross de Berkeley começou a trabalhar aos 13 anos. Ele foi garoto de entregas, pintor de placas, marinheiro naval e fotógrafo para o Detroit Free Press. Agora, aos 90 anos, ele e sua mulher vivem com cerca de US$ 21 mil por ano.
Depois de pagar o aluguel e os remédios, eles ficam com apenas US$ 416 por mês. "Nada de restaurantes. Nada de filmes. Nada de roupas novas. Nós procuramos tudo o que é gratuito", disse ele. "Mas eu tento não me preocupar com as coisas que não posso controlar, como o passado ou o futuro. Minha mulher é budista. Isso ajuda."
Stross e sua mulher, uma professora aposentada de história da arte, estão entre uma multidão crescente de norte-americanos de classe média que se descobrem na pobreza quando idosos.
Para cerca de 6,3 milhões de idosos em todo o país que vivem abaixo da linha de pobreza, isso significa fazer a maior parte das refeições em projetos sociais que as oferecem de graça, raramente ligar o aquecedor, racionar medicamentos e rezar para que nunca cheguem as emergências.
A Califórnia, com seu alto custo de vida e de saúde, lidera o país na porcentagem de idosos que vivem na pobreza, de acordo com um relatório de 2013 da Fundação Kaiser Family. Segundo a pesquisa, 20% dos adultos da Califórnia acima dos 65 anos vivem abaixo da linha de pobreza com cerca de US$ 16 mil anualmente, levando em conta o alto custo de moradia e saúde.
Os níveis de pobreza entre os idosos caíram por décadas no século 20 devido à Seguridade Social e outros programas de benefícios sociais, mas começaram a aumentar novamente depois do colapso econômico de 2008, quando milhões de idosos perderam seus empregos ou casas, viram suas economias evaporar e suas pensões sofrerem cortes. Em Bay Area, o custo crescente da moradia atingiu com mais força os idosos, que têm rendas fixas.
O aumento da expectativa de vida também tem seu papel. Algumas pessoas simplesmente vivem mais do que suas poupanças, e passam mais anos tendo de pagar por cuidados médicos caros e debilitantes. 
Outro fator que contribui para o aumento da taxa de pobreza entre idosos é o declínio do casamento e a separação das famílias, deixando muitos idosos solteiros e sozinhos, sem um parceiro ou parentes próximos para juntar os renimentos ou compartilhar os custos. Gays e lésbicas, que até recentemente não podiam se casar, são especialmente afetados, dizem assistentes sociais.
Um relatório divulgado no mês passado pelo Departamento de Responsabilidade do Governo dos EUA mostrou que idosos solteiros têm uma chance bem maior de viver na pobreza do que os idosos casados, em grande parte porque eles não podem sacar os benefícios do cônjuge vivo ou morto para sacar, ninguém com quem compartilhar as despesas e, se tem filhos, provavelmente gastam mais dinheiro com eles em vez de investir para sua aposentadoria.
Entre as mulheres solteiras que nunca se casaram e acima dos 65 anos, 21% vivem abaixo da linha de pobreza, em comparação com 5% das mulheres casadas da mesma faixa etária, de acordo com o relatório.
Os homens se saem bem melhor. Mais de 19% dos homens que nunca se casaram e acima dos 65 anos vivem na pobreza, em comparação com 4,3% dos homens casados.
O Comitê Especial para o Envelhecimento, do Senado dos EUA, iniciou um debate sobre o assunto este mês, para tratar da situação dos idosos ue vivem na pobreza. Os senadores também estão avaliando um projeto de lei que aumentaria a quantidade de dinheiro que um idoso pode guardar - de US$ 2 mil a US$ 10 mil - antes de se qualificar para certos benefícios.
A situação é particularmente urgente na Califórnia, devido ao alto custo dos cuidados médicos e moradia. Cerca de 20% dos idosos da Califórnia - em comparação com 15% em todo o país - vivem abaixo da linha de pobreza quando se leva em conta despesas médicas, de acordo com o estudo da Fundação Kaiser.
Stross, por exemplo, recebe menos da metade da quantia requerida para os idosos cobrirem despesas básicas em Alameda County, de acordo com o Índice de Segurança Econômica dos Idosos, que avalia custos de aluguel, alimentação, transporte, saúde e outras despesas diversas. Ele e sua mulher recebem dinheiro da Seguridade Social e pequenas pensões, num total de US$ 1.700 por mês, mas seu aluguel chega a quase US$ 1 mil e eles gastam mais de US$ 1 mil anualmente em medicamentos.
Os condados de San Francisco, Marin e San Mateo estão entre os lugares mais caros do país para os idosos, requerendo quase US$ 30 mil por ano, considerando um aluguel mensal de um apartamento de um quarto no valor de US$ 1.400.
"Se você tem 70 anos e é pobre, pode viver numa ansiedade constante", disse Kevin Prindiville, advogado e diretor do Centro Nacional de Direitos dos Cidadãos Idosos em Oakland e Washington, D.C.. "Diferentemente dos jovens, você não consegue trabalhar para resolver o problema. Você não consegue estudar para sair dele. Não há história de sucesso no final. Tudo o que você tem são os benefícios sociais, e ele estão diminuindo."
Os benefícios sociais abrangem uma variedade de programas financiados pelo governo como a Seguridade Social, moradia subsidiada, Medicare, centros para idosos e Refeições sobre Rodas, criado para ajudar os idosos a pagar as contas numa época em que as aposentadorias estão diminuindo e as pessoas estão vivendo mais.
Quase todos esses programas tiveram cortes na última crise econômica. Mas quer seja casado ou solteiro, depender dos serviços públicos pode ser uma experiência humilhante para qualquer um, aumentando a sensação de ansiedade e isolamento dos idosos, disse Prindiville.
"Somos um dos paísesmais ricos do mundo. Que padrão de vida uma pessoa idosa deveria esperar? Eles deveriam esperar não ser tratados como sem-teto aos 80 anos. Não deveriam passar fome. Não deveriam ter de escolher entre pagar a conta de aquecimento e comer", disse ele. "Não estamos falando sobre muita coisa. Apenas um pouco de dignidade."
Diana Davis, 60, trabalhou em fábricas de conservas por mais de 40 anos, aposentando-se só quando a artrite tornou o trabalho físico impossível. Ela é solteira, tem duas filhas que estão ocupadas cuidando de suas própris famílias. Enquanto Davis esperava por um apartamento subsidiado, ela viveu hospedando-se de casa em casa. Por três anos.
Agora ela mora num apartamento no complexo de idosos em West Oakland, pelo qual paga US$ 443 por mês. Sua renda de Seguridade Social é de US$ 800 por mês. Depois de pagar a conta de telefone, gás e eletricidade, resta pouco para a alimentação, produtos de higiene e lavanderia. Ela come de graça no Centro St. Mary em Oakland. Se a companhia de ônibus não oferecesse discontos para idosos, ela não poderia pagar para visitar sua filha e netos em Hayward.
Ela tem uma vida tranquila, visitando amigos do St. Mary, lendo a Bíblia, assistindo televisão e acompanhando suas filhas e netos.
"Vivo da generosidade das pessoas do estado da Califórnia", disse Davis. "Se elas pararem de me dar dinheiro, eu não terei nada. (...) Sim, eu me preocupo. Preocupo-me com o que pode acontecer comigo se o aluguel aumentar, ou se eu não puder cuidar de mim mesma. Tomo antidepressivos porque preciso deles. Do contrário, eu pensaria em me matar."
A situação deve ficar pior à medida que milhões de pessoas da geração Baby Boom se aposentam, colocando um peso sobre o sistema que já está sobrecarregado, disse Roxanne Murray, diretora do programa da Agência de Serviços da Família em San Francisco, que ajuda idosos de baixa-renda a encontrarem trabalho e moradia.
As pensões diminuíram consideravelmente nas últimas décadas. A maioria das companhias e órgãos públicos cortaram ou eliminaram benefícios de aposentadoria, o que significa que mais pessoas dependerão de serviços públicos quando ficarem mais velhas, com um número menor de pessoas mais jovens trabalhando para pagar os custos.
"À medida que a geração Baby Boom começar a se aposentar, precisaremos ter uma conversa muito sincera sobre o envelhecimento neste país", disse Murray.
Uma solução é não se aposentar. Cottrell Armistad, 60, de San Francisco, planeja trabalhar até morrer.
Isso é porque ele queimou sua poupança depois de ser demitido da Autodesk em 2008 e não conseguiu encontrar um emprego por vários anos. Depois que os benefícios de desemprego acabaram, ele perdeu o apartamento em que morava. Se ele não tivesse amigos que o abrigassem, teria ficado sem-teto, disse ele.
Há pouco tempo ele encontrou um trabalho como coordenador de treinamento na organização que ele procurou em busca de ajuda, a Agência de Serviços para a Família. Ele adora trabalhar, e espera ter saúde suficiente para trabalhar lá por décadas. Para atingir esse objetivo, ele nada e caminha diariamente. Ele parou de comer carne vermelha. Come muitas castanhas, frutas e iogurte. Ele dorme cedo e mantém sua mente afiada.
"Eu só espero que possa trabalhar pelo resto de minha vida. Tudo o que falam que melhora a saúde, eu faço", disse ele. "Porque, na verdade, não tenho outra escolha."
Tradutor: Eloise De Vylder

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