domingo, 14 de dezembro de 2014

A justiça americana 
Merval Pereira - O Globo
Apesar de já termos antecedentes de condenação de banqueiros e políticos de alto coturno no processo do mensalão, ainda não temos um histórico que garanta a punição dos poderosos em processos em que dinheiro e poder estão interligados, como agora no petrolão. A tal ponto ainda duvidamos da imparcialidade de nossa Justiça que muita gente está levando mais fé nas investigações da CVM americana (SEC) ou do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, achando que vai ser a partir de suas conclusões que o sistema punitivo brasileiro funcionará, seja na Justiça Federal, no STF ou no Congresso.
A desconfiança é tamanha que, ao ver a liberação do ex-diretor de Petrobras Renato Duque por uma decisão do ministro Teori Zavascki, perpassa a opinião pública a suspeita de que há ali uma indicação da tendência do futuro julgamento, quando, tudo indica, houve apenas o entendimento do ministro de que o fato de pesar sobre Duque a acusação de ter uma fortuna em depósitos no exterior não quer dizer que possa fugir.
Pode ter sido um engano de Zavascki, pois logo depois de sua decisão apareceram diversas novas acusações contra Duque, mas nada autoriza a entender a decisão como uma inclinação pela leniência. Tanto que vários outros presos entraram com pedidos semelhantes e Zavascki negou todos.
Indicado pelo então todo poderoso ministro José Dirceu, Duque era o homem do PT na direção da Petrobras e, segundo a delação de outro ex-diretor Paulo Roberto Costa, ficava com 3% do dinheiro desviado, depois de ter dado a parcela do PT que, por lógica, era maior. O dinheiro que Duque amealhou pode ser medido pelo que seu subordinado Pedro Barusco se dispôs a devolver, nada menos que 100 milhões de dólares.
Há nas delações premiadas detalhes interessantes, que mostram como nossas tenebrosas transações já alcançaram a sofisticação dos métodos mafiosos. Está sendo investigada a história de que a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, que deu prejuízo de milhões de dólares à Petrobras, foi acertada em uma conversa de José Dirceu com Albert Frère, um megaempresário belga, o homem mais rico daquele país, dono da refinaria Pasadena, por meio da Astra Transcor Energy. Com investimentos importantes no Brasil na área de energia e grande doador de campanhas eleitorais do PT. Mas não foi uma conversa qualquer. Ela teria ocorrido durante um jogo do Miami Heat, entre sacos de pipoca, longe de olhos indiscretos, câmeras e gravadores.
Uma coincidência interessante ronda essa crise na Petrobras. Em 1996 o jornalista Paulo Francis acusou diretores da Petrobras, presidida na época por Joel Renó, de terem contas na Suiça, fruto da corrupção na estatal. Foi processado nos Estados Unidos, devido à acusação ter sido feita no programa Manhattan Connection, gravado em estúdios de Nova York.
Uma causa de U$ 100 milhões que é considerada origem do enfarte que o matou um ano depois. Há dúvidas sobre a possibilidade de que Francis viesse mesmo a ser processado nos Estados Unidos, pois o programa não era transmitido localmente na ocasião, mas o fato é que, pelo rigor da justiça americana, os diretores da Petrobras quiseram dar um susto no jornalista, que não tinha como provar sua acusação.
Pois hoje, é o rigor da justiça americana que tira o sono dos envolvidos no petrolão, pois como a Petrobras participa da Bolsa de Valores de Nova York com suas ADRs, American Depositary Receipt, certificado de depósito emitido por bancos norte-americanos, o esquema de corrupção na estatal brasileira está sendo investigado por lá e suas conseqüências podem ser gravíssimas, desde multa bilionária, rebaixamento na avaliação da governança e até, no limite, a proibição de participar do mercado de ações nos Estados Unidos.
Os responsáveis pelas decisões que provocaram prejuízos aos acionistas, ou pelas omissões no processo de investigação, podem ser culpados diretamente, o que pode envolver os presidentes da empresa José Sérgio Gabrielli e Graça Foster, e a presidente do Conselho de Administração, no caso a atual presidente Dilma Roussef.
A desconfiança pode ser efeito do nosso famoso complexo de vira-lata. Mas seria ótimo que a justiça brasileira se mostrasse desta vez mais eficiente e rigorosa que a americana.

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