quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Após moratória, milhares no leste da Ucrânia dependem de ajuda humanitária
Pilar Bonet - El País
Eric Feferberg/AFP
6.dez.2014 - Homem mostra casa em Donetsk, no leste da Ucrânia, onde um parente dele morreu após ser ferido por estilhaços 6.dez.2014 - Homem mostra casa em Donetsk, no leste da Ucrânia, onde um parente dele morreu após ser ferido por estilhaços
A decisão do governo da Ucrânia de deixar de pagar as aposentadorias e os benefícios sociais aos moradores dos territórios controlados pelos rebeldes pró-Moscou castiga as pessoas mais pobres e vulneráveis nas autodenominadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk (RPD e RPL), que ocupam parte das províncias do mesmo nome.
Em Donetsk, esta correspondente seguiu o itinerário de uma expedição de ajuda humanitária organizada pela fundação de Rinat Akhmetov, o oligarca de origem local cuja fortuna era considerada a maior da Ucrânia pelo menos até a última primavera, quando começou o conflito armado em que os mortos são contados aos milhares e os deslocados em centenas de milhares.
Em Donetsk, os bancos estão fechados e os cartões de crédito não funcionam. O mesmo Estado que manda seus soldados guerrearem pelo território se desentende sobre o destino dos idosos, crianças, órfãos, impedidos ou doentes que residem nele. Essa é a brutal realidade.
A partir deste mês, Kiev legalizou o não pagamento das aposentadorias e benefícios, que de fato muitos deixaram de receber há vários meses. Se quiserem ganhar, devem arranjar-se por seus próprios meios para transferir seu domicílio e registrar-se em território leal à Ucrânia.
A magnitude do problema supera a capacidade de reação dos dirigentes secessionistas, que em clima de grande confusão distribuem somas mínimas aos abandonados por Kiev. Nessas condições, os pacotes de 13 quilos com alimentos diversos distribuídos pela fundação de Akhmetov são uma garantia de sobrevivência para seus beneficiários.
Em um portal da Rua Kuibicheva (no raio da artilharia em ação em torno do aeroporto de Donetsk), um grupo de mulheres de idades entre 75 e 82 anos abraça Alla Danilova, 78. "Somos suas filhas", dizem-lhe, apreciando a iniciativa dessa antiga dirigente sindical e comunista na época soviética. No início de outubro, Danilova elaborou uma lista com 35 nomes, os de seus vizinhos mais necessitados, e ligou para a fundação de Akhmetov em Kiev. Menos de uma semana depois, todos eles começaram a receber os pacotes de ajuda.
Quando a artilharia dispara, as filhas de Danilova reagem como sabem: uma se tranca no banheiro, outra se cola à parede principal do edifício e uma terceira se cobre com o edredom. Nas últimas três noites não houve tiroteios e puderam dormir.
Graças a uns amigos empregados em bancos, Danilova conseguiu receber em outra província a aposentadoria de 1.781 grivnas (menos de 83 euros) que gasta, sobretudo, em remédios. Na lista de Danilova está sua vizinha Antonina, 75, que, operada do quadril, move-se a duras penas com um andador. Seus filhos, residentes na Sibéria, não podem viajar à Ucrânia por serem cidadãos russos em idade de recrutamento militar. Suas transferências não chegam e acabaram-se as poupanças de Antonina.
O programa Pomozhem (Ajudem-nos) do Fundo Rinat Akhmetov atende a mais de 243 mil pessoas, segundo seu coordenador local, Andrei Sanin. São famílias com filhos menores de 2 anos, órfãos, inválidos, doentes e aposentados maiores de 65 anos, entre outros. "O não pagamento das pensões piora a situação, e por isso a partir de 15 de dezembro ampliamos nosso programa para os maiores de 60 anos, o que representa 50 mil pessoas a mais", explica Sanin.
Em outro tempo, o grupo empresarial de Akhmetov tinha centenas de milhares de assalariados. Agora, parte daquele plantel e também empregados dos clubes esportivos financiados pelo oligarca se dedicam à ajuda humanitária. O comboio de 22 caminhões do fundo (16 toneladas em média por veículo) com o qual esta correspondente viajou de Dniepropetrovsk a Donetsk, passando por controles militares heterogêneos, deixou sua carga no estádio do clube de futebol Shakhtar.
Ali, as mercadorias foram redistribuídas em pacotes individuais (latas de carne, arroz, açúcar, farinha, cereais, bolachas, leite condensado, chá, entre outras coisas) que foram distribuídas no mesmo estádio para mães com filhos menores de 2 anos.
Algumas dessas mulheres já eram pobres antes da guerra e outras nunca imaginaram se ver nesse transe. Como Valeria, que acaba de dar à luz e cujo marido economista foi recentemente contratado como vigilante. Em Donetsk, Valeria não pode contar com as 40 mil grivnas (1.860 euros) de ajuda por maternidade que lhe cabe segundo a legislação da Ucrânia.
O estádio do Shakhtar, o orgulho de Donetsk, foi atingido por uma carga explosiva, e apesar de o dano ter sido reparado os jogadores foram evacuados e agora jogam em Lvov, no oeste da Ucrânia. No estádio de hóquei Arena Donbas (destruído parcialmente por um incêndio), distribui-se ajuda aos habitantes de Makeevka, à espera de um acordo com o novo prefeito daquela localidade mineira para distribuí-la ali, como já ocorre com a ajuda humanitária russa.
Yelena Vegera, mãe de uma menina de 12 anos que tem um problema cerebral, recebe seu pacote na Arena Donbas. A mulher não tem trabalho nem dinheiro para comprar o remédio que acalma sua filha. "Sua avó e eu amarramos suas mãos para que não se machuque", diz, enquanto chora.
De dia e em certas zonas da cidade é possível pensar que a guerra não existe, mas a impressão é enganosa. Há edifícios destruídos nos bairros periféricos e grandes buracos e vidraças quebradas em outros próximos do centro. Em diferentes pontos urbanos se aglomeram os que esperam receber as 1 mil grivnas (pouco mais de 46 euros no câmbio local) com que os representantes da RPD socorrem os despossuídos de suas prestações ucranianas. Anteontem ao meio-dia, em um desses pontos, havia uma fila de 1.040 pessoas. "Isto é um genocídio", exclamava uma mulher, acrescentando novos números à lista de espera.
Nem os que aguardam ajuda nem os que a distribuem gostam de falar de política em Donetsk hoje. Os primeiros se concentram em sobreviver; os segundos, na solidariedade como meio de enfrentar o desespero. Galia, uma aposentada do bairro de Kiev, resume assim: "Antes tínhamos muitas ideias diferentes. Agora todos queremos só uma coisa: que esta guerra acabe, que parem de atirar".
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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