sábado, 6 de dezembro de 2014

Dificilmente o povo não pagará ajuste financeiro que se aproxima, diz FHC 
O sociólogo, diplomata e ex-ministro da Fazenda aponta a fragmentação política como causa dos problemas do país
A. Jiménez Barca e C. Jiménez - El País
ERBS JR./FRAME
10.set.2013 - O ex-presidente Fernadno Henrique Cardoso toma posse como imortal na Academia Brasileira de Letras (ABL) 10.set.2013 - O ex-presidente Fernadno Henrique Cardoso toma posse como imortal na Academia Brasileira de Letras (ABL)
O ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso (nascido no Rio de Janeiro em 1931) assiste como espectador privilegiado ao, segundo ele, funil histórico em que se encontra o Brasil, a um mês do início do segundo mandato de Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), sacudido pelas crescentes acusações de corrupção que minam a Petrobras, paralisado do ponto de vista econômico e com um novo ministro da Fazenda que prevê ajustes e cortes de gastos.
Cardoso foi um dos fundadores do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que foi derrotado por pouco nas últimas eleições. Para ele, a verdadeira origem de todos esses problemas se encontra na fragmentação política, com um Congresso pulverizado em mais de 20 partidos. Ele recebeu "El País" no instituto de estudos sociais que leva seu nome.
El País: A nomeação do novo ministro da Economia, Joaquim Levy, preconiza uma virada econômica da presidente. Qual é sua opinião sobre isso?
Fernando Henrique Cardoso: É preciso entender a razão dessa mudança. A situação está muito difícil. Houve uma quase ruptura entre o governo e os setores empresariais. Agora, Rousseff tenta recompor a situação, mas os empresários não acreditam nisso. Será preciso ver se o novo ministro terá de fato voz e poder. O momento impõe algumas medidas de contenção de gastos. 
El País: Não há alternativa...
Cardoso: Não. A economia começou a sair dos eixos há muito tempo. O governo deu a resposta correta durante a crise internacional. Naquela ocasião, era importante ampliar o crédito, mas isso tem um limite, o qual já foi alcançado. A maioria das pessoas já tem dívidas em demasia, portanto, o consumo não é mais suficiente como motor econômico. E o PIB não cresce. Por isso, é imperativo fazer algo.
El País: O quê, por exemplo?
Cardoso: Estamos perto de uma etapa parecida à que vivi quando era ministro das Finanças e tudo estava em desordem. Agora tudo também caminha rumo à desordem. Mas há um nó político que tem de ser desatado. Será que o governo terá força para pôr essas medidas necessárias em marcha? O imbróglio político é mais delicado que o econômico, porque se sabe como solucionar o econômico. Um país com vinte e tantos partidos no Congresso e 40 ministérios esconde a receita do fracasso. Eu governava basicamente com três partidos. Os demais não contavam. As nomeações se davam em função de uma agenda e os postos chaves não estavam nas mãos dos partidos.
El País: Há alguns anos o Brasil era visto no exterior como o país do futuro. Agora, com a economia parada e o escândalo da Petrobras, essa percepção mudou.
Cardoso: Exatamente. Os que mandaram neste país enquanto ele crescia não souberam fazer isso bem. A semente estava aí, mas o PT não agiu como devia porque não quis. O PT é uma organização burocrática que precisa de dinheiro. E muita gente obtinha dinheiro de forma escusa para o partido. Era uma espécie de visão política, um ranço de outras épocas, por assim dizer, revolucionárias: a visão de que tudo é válido porque é para a revolução. Assim, tudo vale desde que vá para o partido. Por outro lado, eu fiz ajustes, mas a renda per capita não caiu. Fiz isso sem que o povo pagasse a conta. Agora será difícil que o povo não pague esse ajuste que se aproxima. No entanto, sou otimista. O país tem instituições que funcionam. O próprio PT é importante para o país. A presidente vai atravessar um deserto e, além disso, perderá o controle da Câmara. Espero que ela não tenha uma visão sectária da vida nacional e política.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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