A Petrobrás é deles
MIGUEL REALE JÚNIOR - O Estado de S.Paulo
O petróleo era nosso, agora a Petrobrás é
deles. Diante do volume de recursos desviados passou-se a usar a
expressão lacerdista mar de lama, adjetivação dada pela UDN aos fatos
ocorridos no final do governo Vargas, em 1953-54. Quais foram, há 60
anos, os acontecimentos que geraram expressão tão forte?
Na biografia de Getúlio Vargas (terceiro volume) Lira Neto conta que as
acusações se prendiam à importação de dois veículos Rolls Royce para a
Presidência da República, livre de imposto de importação. A importadora
em vez de dois veículos importou quatro, livres de impostos, destinando
dois a particulares - um à importadora Santa Teresinha, da família
Maluf, e outro ao magnata Peixoto de Castro. Outras irregularidades
denunciadas diziam respeito à concessão de loterias federais e à compra
de locomotivas para a Central do Brasil sem licitação. A oposição
dizia-se estarrecida, comenta o biógrafo, e daí apodar-se o governo de
mar de lama.
Outro presidente acusado de corrupção, mas afastado do cargo por
impeachment foi Fernando Collor. Márcio Thomaz Bastos, recém-falecido, e
eu fomos chamados pela CPI do PC Farias para ajudar na elaboração do
relatório final. Detidamente analisei as provas, especialmente as
relações entre a Casa da Dinda, residência do presidente, e PC Farias.
Constatei, então, ter PC Farias irrigado, com parte do dinheiro
arrecadado com exigências praticadas em conjunto com autoridades
federais, contas fantasmas movimentadas pela secretária particular de
Collor, por via das quais se pagavam gastos da Casa da Dinda.
Pouco depois, José Carlos Dias telefonou-me convidando para reunião em
sua casa, na qual se discutiria o impeachment de Collor. Estavam
presentes o anfitrião, Dalmo Dallari, René Dotti, Flávio Bierrenbach e
Fábio Comparato. René foi incumbido de elaborar um plano geral. Coube,
posteriormente, a Comparato escrever a parte relativa à quebra do decoro
e a mim, que tinha cópia dos elementos essenciais da CPI do PC Farias,
redigir a acusação acerca do fato de o presidente ter deixado de zelar
pela probidade da administração pública, sem apurar a responsabilidade
de subordinados e recebendo benefícios na conta gerenciada por sua
secretária.
O grupo de advogados teve mais duas reuniões para exame do texto, em
minha casa e depois na casa de Márcio Thomaz Bastos, com a presença de
Evandro Lins e Silva, na qual se aprovou a versão final, submetida aos
presidentes da OAB-Conselho Federal e da ABI, subscritores iniciais do
pedido de impeachment, fundado no descumprimento do dever constitucional
de zelar pela probidade administrativa.
Em 2005 surgiu o mensalão, comprometendo a estrutura da República pela
compra de votos de inúmeros parlamentares de diversos partidos às
vésperas de votações importantes com recursos obtidos com a contratação
falsa de publicidade e depois entrega de envelopes recheados em hotéis
de Brasília, envolvendo ministro da Casa Civil e presidentes de partidos
políticos na cooptação da vontade parlamentar. O presidente Lula de
início se disse traído, depois vem tergiversando. A fragilidade da
oposição permitiu que o presidente passasse incólume.
Mas são do seu governo as falcatruas na Petrobrás, sendo então a atual
presidente, primeiramente, ministra de Minas e Energia e depois chefe da
Casa Civil, mas sempre presidente do Conselho de Administração da
Petrobrás, conselho ao qual, pelo estatuto, coube a nomeação dos
diretores, esses mesmos agora presos e acusados de locupletamento de
milhões.
Denunciado o mensalão, que garantia a "fidelidade" da base governista,
instituiu-se o petrolão, nova fonte de recursos a não serem
contabilizados. O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou em 2007
haver graves distorções em obras da Petrobrás, recomendando a
paralisação da sempre lembrada refinaria de Abreu e Lima. O Congresso
não acompanhou a recomendação do TCU e o Executivo nada fez. Em 2009
novamente o TCU recomendou e o Congresso acolheu, na Lei Orçamentária, a
suspensão das obras da refinaria.
Alertadas a Presidência e a ministra Dilma, presidente do Conselho de
Administração da Petrobrás, resolveu Lula vetar o artigo do projeto de
lei orçamentária que suspendia a obra suspeita, com argumento do
prejuízo social dessa paralisação, dando livre curso às irregularidades.
Limitou-se a Presidência a recomendar à Corregedoria a apuração de
eventuais desvios, sem se dar o devido relevo ao TCU e ao próprio
Congresso, tanto que a Corregedoria, displicentemente, três anos depois,
em 2012, afirmou não ter sido possível verificar nenhuma irregularidade
por falta de conhecimento dos parâmetros utilizados pelo TCU na
constatação dos desvios.
Hoje está estampado em cores gritantes o tamanho do desmando, a fonte
contínua de montanhas de dinheiro desviado em obras e aquisições pelas
diretorias da Petrobrás na gestão de Dilma e Lula, a ponto de um só
gerente, agora em delação premiada, comprometer-se a devolver R$ 250
milhões de que se apropriara.
Segundo consta, havia um diretor responsável por gerir as vantagens
ilícitas de cada um dos três partidos da base: PT, PMDB e PP. Assim, os
parlamentares da base, formada por esses partidos, continuavam "fiéis"
ao governo, que fechava os olhos aos desmandos de toda ordem na estatal,
antes considerada a pérola da República, mas que ora amarga prejuízos e
descrédito incomensuráveis no Brasil e no exterior. A peso de ouro o
governo manteve uma maioria parlamentar sempre pronta a fazer naufragar
CPIs no Congresso.
Cabe ao leitor comparar o sucedido à época de Getúlio e com Collor em
1992 ao que ocorre hoje para avaliar o que vem a ser um mar de lama, se
há ou não omissão dolosa ou culposa no devido zelo da probidade
administrativa e na apuração de responsabilidade de subordinados.
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