Dilma quer ajuste sem mexer no salário mínimo
LU AIKO OTTA/ JOÃO VILLAVERDE - O Estado de S.Paulo
Compromissos assumidos
pela presidente entram em contradição com discurso de ajustes das contas
públicas da nova equipe econômica, comandada por Joaquim Levy
Dificuldades. Presidente terá de negocar com Congresso
Em seu discurso de posse, no próximo dia 1.º, a
presidente Dilma Rousseff pretende retomar o principal eixo da campanha
eleitoral e reafirmar seu compromisso com a continuidade do processo de
inclusão social. O instrumento será a manutenção da política de
valorização do salário mínimo.
Foi o que ela disse a representantes das centrais sindicais. O
presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah,
perguntou o que aconteceria com a política econômica, já que ela chamou
para comandar o Ministério da Fazenda "pessoas que gostam de cortar".
Ela garantiu que o piso salarial continuará recebendo reajustes acima da
inflação.
O problema é que o sistema de correção do mínimo era um alvo óbvio de um
eventual plano mais rigoroso de ajuste nas contas públicas - que a
própria Dilma também sinalizou, ao escolher Joaquim Levy para o
Ministério da Fazenda. Isso porque os gastos sociais, principalmente os
atrelados ao mínimo, são os itens que mais crescem nas despesas do
governo federal.
Essa contradição deixa claro que há limites políticos para o ajuste. E
isso é entendido na nova equipe econômica. Afinal, comentam assessores,
"quem manda é ela". A ordem é construir o superávit primário (economia
de recursos para pagar a dívida pública) sem pôr em risco os
compromissos de Dilma. A questão é se isso será possível.
"A ideia do triunvirato vai caindo por terra mais rápido do que se
imaginava", disse o economista Sérgio Vale, da MB Associados. "Eu nunca
acreditei nessa história de mudança significativa." Entre outras razões,
porque as reformas para um ajuste estrutural dependem de negociações
com o Congresso, onde Dilma tem dificuldades.
A nova equipe econômica vem trabalhando em um pacote, chamado de
"consolidação fiscal", de R$ 100 bilhões, como revelou o Estado na
sexta-feira. A ordem nos gabinetes provisórios de Levy e do futuro
ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, no Palácio do Planalto, tem
sido a de recuperar, o mais rapidamente possível, a credibilidade do
governo no trato das contas públicas.
O pacote deve consistir numa retenção de até R$ 65 bilhões nas despesas
federais previstas no Orçamento de 2015 e o restante virá do corte real
dos gastos e da elevação de tributos. Os cortes serão anunciados no
seguro-desemprego e nas despesas previdenciárias como pensão por morte e
auxílio doença - com reformas que tornem mais rigorosas as concessões
desses benefícios.
Imposto. O governo vai elevar de 3% para 5% o Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) dos carros, além da Contribuição sobre
Intervenção no Domínio Econômico (Cide), zerada há dois anos. Com isso,
estima-se uma arrecadação cerca de R$ 12 bilhões maior em 2015.
No entanto, todo esse plano ainda passará por extensa análise de Dilma
antes de ser anunciado entre janeiro e fevereiro. Até lá, os sinais
públicos do governo devem ser todos na direção contrária.
"O fiscal é mesmo muito complicado", comentou o economista-chefe da
corretora Tullett Prebon, Fernando Montero, um especialista em gastos
federais, ao comentar a dificuldade em se cortar gastos ou obter
receitas. "Por isso, coloco mais fé no parafiscal." A aposta de Montero é
que vão diminuir os repasses do Tesouro aos bancos públicos, apelidados
de gastos "parafiscais". Essas transferências aumentam a dívida
pública.
Na única manifestação após ser confirmado como futuro ministro, Levy
disse que haveria declínio no estoque da dívida bruta federal nos
próximos anos, "desde que não haja ampliação do estoque de
transferências do Tesouro Nacional para as instituições financeiras
públicas".
Mas, uma semana depois dessa afirmação, Dilma autorizou o Tesouro a
injetar mais R$ 30 bilhões no BNDES. E cinco dias depois o Banco da
Amazônia (Basa) recebeu mais R$ 1 bilhão. "O desafio é imenso, o que só
faz aumentar minha admiração pelo Joaquim", disse o vice-presidente do
Insper, Marcos Lisboa, colega de Levy no Ministério da Fazenda de 2003 a
2005. Ele acredita que, para restabelecer a confiança, não bastará um
plano de ajuste nas contas públicas. "Não vai ser fácil."
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