sábado, 6 de dezembro de 2014

Lições de uma época em que os seres humanos reciclavam
Isabel Kershner - NYT
Rina Castelnuovo / The New York Times
Pedras de sílex, encontradas na Caverna de Qesem, em Israel, eram usadas como armas pelos primeiros habitantes da área. Hoje são alvo de estudo na Universidade de Tel Aviv Pedras de sílex, encontradas na Caverna de Qesem, em Israel, eram usadas como armas pelos primeiros habitantes da área. Hoje são alvo de estudo na Universidade de Tel Aviv
Há anos os arqueólogos vêm escavando diligentemente para chegar nas camadas pré-históricas do tempo, desenterrando os segredos da Caverna de Qesem.
Localizada nos arredores de Tel Aviv e descoberta por acaso durante a construção de uma estrada em 2.000, a caverna recentemente ofereceu insights sobre a vida de milhões de anos atrás que fornecem um contraponto sério para pelo menos um aspecto da vida moderna.
Parece que, antigamente, os primeiros habitantes da região viviam reciclando --uma lição em potencial para Israel hoje.
"Reciclar era um modo de vida", diz Ran Barkai, professor associado do Departamento de Arqueologia e Civilizações Antigas do Oriente Próximo na Universidade de Tel Aviv que, junto com Avi Gopher, seu professor, pesquisou a Caverna Qesem desde sua descoberta. "Era parte da evolução humana e da natureza humana." "Em algum ponto nos ensinaram a esquecer isso", acrescentou ele.
Após 14 anos, os arqueólogos chegaram a cerca de dez metros abaixo do que era o teto original. Ao longo do caminho, encontraram milhares de ferramentas recicladas na caverna, incluindo martelos de osso e pedras lascadas retrabalhadas. Com superfícies antigas e polidas quebradas por pontas afiadas mais duras, as ferramentas de pedra faziam parte de uma vasta coleção de facas usadas aparentemente para o abate de animais, limpar peles e cortar vegetais. Algumas das lâminas eram tão afiadas quanto um bisturi e tão pequenas quanto uma unha.
A reciclagem era natural para esses primeiros seres humanos, um hábito em grande parte negligenciado em Israel nos tempos modernos, onde uma campanha atual de conscientização na televisão mostra crianças com roupas de super heróis surrupiando garrafas de plástico para reciclar, bem debaixo do nariz dos pais.
Amir Peretz, ministro de proteção ambiental até o mês passado, estava prestes a encaminhar um projeto de lei para reduzir o uso de sacolas plásticas nos supermercados israelenses. Mas ele renunciou, citando sua oposição ao projeto de orçamento de 2015 e a falta de negociações de paz com os palestinos, e sua iniciativa foi engavetada.
No local da caverna, há evidências de que os seres humanos pré-históricos não eram sempre tão frugais, mas que este comportamento evoluiu. A vida na região data de pelo menos 1,5 milhões de anos, mas Barkai diz que uma mudança dramática ocorreu há 400 mil anos. Ele disse que por algum motivo desconhecido, os elefantes que serviam como principal fonte de alimento aparentemente sumiram, levando a uma mudança no cardápio e estilo de vida dos habitantes da Caverna Qesem, próxima à cidade de Rosh Haayin.
Na busca pela sobrevivência, os moradores da caverna começaram a caçar gamos em vez de elefantes. Ao mesmo tempo, descobriram as delícias de uma refeição caseira quente, e aparentemente inventaram o churrasco.
Esses primeiros seres humanos tinham a inteligência de retirar o máximo de cada produto. Depois de cozinhar a carne, e quebrar os ossos para extrair o tutano, "eles usavam os fragmentos de ossos para criar ferramentas para matar e abrir o próximo gamo", diz Barkai. "Eles fechavam o ciclo", diz ele.
A caverna fica a apenas 12 quilômetros do agitado centro de Tel Aviv, a metrópole dinâmica no Mediterrâneo. A caverna foi exposta por acaso quando trabalhadores que ampliavam uma estrada para o assentamento de Ariel, na Cisjordânia, explodiram um morro, derrubando o teto da caverna. Outro arqueólogo que por acaso estava por perto, cuidando de sua própria caverna, viu pedaços de rocha cheios de ossos e lascas e imediatamente percebeu que se tratava de um sítio pré-histórico.
A estrada foi desviada para evitar a caverna, mas até hoje a descoberta primitiva é testada pelos caminhões que passam ruidosamente por ali.
A caverna agora está sob uma cobertura, a alguns passos a partir de um caminho que sai da estrada de quatro pistas. Escadas e tábuas estreitas conectam os vários níveis do sítio que foram expostos. Não há escavações no inverno, e muitas das descobertas foram retiradas e levadas a laboratórios ou depósitos de universidades. Mas lascas e fragmentos de ossos continuam alojados em cada fissura da terra bege da caverna.
A caverna causou um certo alarido em 2010, quando foi divulgado, equivocadamente, que vários dentes encontrados lá forneciam provas da existência do Homo sapiens, ou dos humanos modernos, 200 mil anos antes do que na África, e antes do que em qualquer lugar do mundo.
Mas isso não nega a importância da caverna. Até agora, 13 dentes de humanos primitivos foram encontrados, e Barkai disse que os habitantes podem ter sido uma espécie de elo perdido --mais avançados que o Homo erectus e precursores do Homo sapiens e dos Neanderthals.
A última pesquisa que emergiu da caverna trouxe um vislumbre sobre a reciclagem entre os inovadores da Idade da Pedra, que viveram no local intermitentemente de 200 mil a 400 mil anos atrás.
Esse fenômeno foi recentemente documentado em uma série de artigos que professores de Tel Aviv escreveram com outros especialistas da revista acadêmica Elsevier Quaternary International, com títulos como "Reciclagem de ossos no Médio Pleistoceno: Algumas reflexões de Gran Dolina TD10-1 (Espanha), Caverna Bolomor (Espanha) e Caverna Qesem (Israel)", e "A função dos itens líticos reciclados no Baixo Paleolítico na Caverna Qesem, Israel: Uma visão geral da análise dos vestígios de uso".
Os primeiros seres humanos tiveram que se adaptar às mudanças no seu ambiente - talvez mais uma lição para o mundo moderno. Eles desenvolveram uma cultura local independente que se estendia por todo o território que hoje inclui a Jordânia, Líbano e Síria, diz Barkai.
Os caçadores precisavam ser mais ágeis, eficientes e ter bom discernimento. Em média, 80 gamos eram necessários para fornecer a mesma quantidade de alimento que um elefante. Os moradores da caverna também coletavam frutas pequenas e nozes, além de madeira para fazer fogueiras. Esta área era uma espécie de Éden, com fontes naturais e lascas de pedra em abundância.
Eles começaram a criar suas ferramentas afiadas com as lascas, de acordo com os especialistas, passando à frente de seu tempo e dos humanos contemporâneos na Europa e África.
"Esta era a alta tecnologia do homem antigo", diz Barkai.
Em um espaço que antes servia à fogueira, camadas de cinzas petrificadas datam de 300 mil anos. Nele, a terra está cheia de fragmentos de ossos, incluindo a mandíbula de um cavalo com dois dentes da frente. Embora o uso esporádico do fogo existisse muito antes, a Caverna de Qesem foi estabelecida como o local com as provas mais antigas do uso sistemático do fogo para assar carne de uma doméstica e diariamente - "como quando ligamos o fogão a gás", diz Barkai. Os ancestrais dos moradores da caverna provavelmente comiam os elefantes crus.
A caverna era organizada como uma casa, disse ele, com áreas diferentes servindo como cozinha, oficina e uma área onde as crianças pareciam praticar a confecção de suas próprias ferramentas de lascas. O fogo também parecia servir como uma espécie de espaço social.
Barkai diz que provas do mesmo comportamento, tecnologias e métodos foram encontradas em lugares tão distantes quanto a Síria, e que deve ter havido algum tipo de comunicação entre os primeiros seres humanos da região.
"Não sei como", disse o professor. "Não tinha Wi-Fi, mas eles se conheciam." 
Tradutor: Eloise de Vylder

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