quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

O custo do protagonismo
O Estado de S.Paulo
É bastante conhecida a reivindicação brasileira de um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU, principal instância de decisão da entidade. Para essa causa, a diplomacia nacional invoca há tempos - com especial ênfase durante as administrações petistas - o peso econômico e a liderança regional do Brasil. Não se discute que um país com tais características deva ser levado em conta no grande jogo diplomático, tampouco se pode dizer que a reivindicação do Brasil não seja justa, se e quando uma reforma do Conselho de Segurança for debatida a sério. No entanto, para que não seja mera retórica, a demanda brasileira deve ser acompanhada de provas concretas de sua disposição de aceitar o ônus do protagonismo que tanto persegue - especialmente a capacidade de bancar os custos militares e financeiros da organização internacional.
Assim, causa espécie a notícia, publicada pelo Estado, de que o Brasil deve US$ 184 milhões à ONU. Documentos obtidos pelo jornal mostram que até o último dia 3/12 a dívida incluía US$ 14 milhões que deveriam ter sido pagos à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). É o segundo maior débito registrado pela entidade, atrás somente dos Estados Unidos, que não pagam os US$ 310 milhões que devem em protesto contra a admissão do Estado da Palestina como membro da Unesco.
Também fazem parte da dívida brasileira US$ 76,8 milhões referentes ao orçamento regular da Secretaria-Geral da ONU, US$ 87,3 milhões para as operações de paz dos capacetes azuis e US$ 6 milhões para os tribunais internacionais.
Até setembro passado, o total do débito chegava a US$ 200 milhões. Na véspera do discurso da presidente Dilma Rousseff na abertura da Assembleia-Geral da ONU, o Ministério do Planejamento depositou R$ 36 milhões na conta da entidade, talvez com a expectativa de minorar constrangimentos.
É bem verdade que não é apenas o Brasil que está em dívida com a ONU, cujo déficit geral atinge cerca de US$ 2,8 bilhões. Tampouco o débito brasileiro é o maior - Estados Unidos, França e Itália estão à frente. No entanto, é importante lembrar que esses países estão entre os maiores contribuintes para o orçamento da ONU - só os americanos respondem por 22% do total - e, ademais, têm enormes despesas graças a seu engajamento militar e diplomático, que muitas vezes adiciona esforços ao trabalho da entidade.
Já o Brasil - que responde por 2,9% do orçamento da ONU, sendo o décimo maior contribuinte - não vem honrando seus compromissos nem tampouco investe na área de segurança o suficiente para colaborar de forma efetiva para a paz global. O mesmo se pode dizer do serviço diplomático. A julgar pelo discurso do governo petista a respeito da obrigatória projeção do Brasil no cenário internacional, era justo esperar que houvesse investimentos pesados no Itamaraty. No entanto, o que se observa é um progressivo desmantelamento da capacidade brasileira de se fazer representar no exterior.
O momento difícil da diplomacia nacional não é visível somente graças ao calote na ONU. Ele aparece principalmente no dia a dia dos diplomatas, às voltas com atrasos no pagamento das contas nas representações mundo afora, com a redução das verbas para viagem e com o desânimo dos diplomatas cuja carreira não tem perspectivas.
Na última vez em que esteve na ONU, a presidente Dilma usou a tribuna internacional como palanque para fazer campanha eleitoral - algo que, por si só, é o bastante para comprovar o profundo menosprezo do atual governo pela diplomacia.
Em seu discurso na Assembleia-Geral, quando afinal parou de falar das maravilhas de seu governo e resolveu brevemente tocar no assunto que ali cabia, Dilma reafirmou o desejo brasileiro de promover uma "verdadeira reforma" do Conselho de Segurança da ONU - que o torne "mais representativo e mais legítimo", de modo a ser "mais eficaz". É uma reivindicação que, a julgar pelo evidente sucateamento da diplomacia brasileira, não passa de retórica vazia.

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