domingo, 14 de dezembro de 2014

Quando um comprimido é a arma do estuprador
Benedict Carey - NYT
Ragesoss/Wikimedia Commons
Por que alguém que aparentemente tem fácil acesso ao sexo consensual utiliza a droga do estupro? Por que alguém que aparentemente tem fácil acesso ao sexo consensual utiliza a droga do estupro?
Ele tinha dinheiro, carisma, aparência de astro de cinema e nenhum motivo aparente para dopar suas parceiras sexuais. Mas fez isso de qualquer maneira, de acordo com a acusação de várias mulheres, que se lembram de pouca coisa exceto de perder a consciência e acordar seminuas e descobrir que foram sexualmente abusadas.
Este caso - de Andrew Luster, um herdeiro dos cosméticos condenado em 2003, em Ventura County, Califórnia, por estuprar três mulheres após dopá-las com a droga do estupro - é diferente do caso do comediante Bill Cosby. Mulheres acusaram Cosby de drogá-las e estuprá-las ao longo de um período de décadas; ele negou as acusações e não foi incriminado.
Contudo, as histórias que as vítimas contam sobre os homens levantam uma questão maior: por quê alguém que aparentemente tem fácil acesso ao sexo consensual utiliza a droga do estupro?
Essa resposta é particularmente urgente hoje, à medida que incidentes de estupro envolvendo drogas como o gama-hidroxibutirato (GHB) e o Rohypnol estão cada vez mais presentes nas notícias. Os medicamentos, ambos comprimidos altamente regulados sob prescrição médica, são anestésicos de ação rápida disponíveis no mercado negro; em altas doses, eles provocam um sono súbito e profundo.
O álcool ainda é, de longe, a droga mais utilizada em ataques sexuais, envolvido em 40% a 60% dos casos relatados, revelou um estudo recente. Os chamados fármacos "de nocaute" foram identificados em apenas 2% a 3% dos casos. Mas estupros envolvendo drogas parecem estar em ascensão nos Estados Unidos e em outros lugares, e ganharam uma reputação mais ameaçadora do que os casos induzidos por bebidas alcoólicas.
Mulheres revelaram ter sido drogadas por namorados, estranhos em festas, bartenders. Muitos pais e conselheiros universitários alertam as mulheres jovens para prestarem atenção não só ao quanto bebem, mas àquilo que bebem - e para não deixar suas bebidas sem supervisão.
"É fácil falar sobre drogar mulheres como parte de um espectro do comportamento, mas não é", disse James Cantor, professor associado de psiquiatria da Universidade de Toronto e o editor-chefe da revista Sexual Abuse. "Há motivos muito diferentes envolvidos, dependendo da pessoa e do contexto."
Um desses motivos é óbvio: o simples oportunismo, a razão pela qual os homens vêm drogando as bebidas das mulheres (ou menos comumente, mulheres drogando homens) desde o início da era do coquetel. A outra é a coerção; o estuprador se excita com a dominação, forçando sua vontade sexual contra o alvo.
"Isso é tão comum que chegamos ao ponto de discutir se deveríamos incluir como diagnóstico no DSM 5 --o influente manual de diagnóstico dos psiquiatras--", disse Michael First, psiquiatra de Columbia responsável pela edição. Mas a ideia foi arquivada, em parte por causa de preocupações de que isso ofereceria aos estupradores mais um recurso nos casos na justiça, disse ele.
Um terceiro motivo muito menos comum é um tipo raro de "parafilia" --uma preferência sexual incomum que se torna compulsiva. "Neste caso, é uma preferência por parceiros que não interagem", disse Cantor.
Psiquiatras geralmente dividem as parafilias em dois grupos: aqueles focados em objetos, como um fetiche por pés, e aquelas focados em comportamentos como exibicionismo, voyeurismo ou frottage, a excitação de se esfregar em uma pessoa estranha ou tocá-la. A preferência por parceiros inconscientes cai na categoria do comportamento.
O pesquisador do sexo John Money, da Johns Hopkins University, rotulou isso de "sonofilia", ou síndrome da bela adormecida, e descreveu-a como um fetiche sexual "do tipo predatório, em que a excitação erótica e a facilitação ou obtenção do orgasmo respondem e dependem de penetrar" uma pessoa que não responde.
Mulheres que foram drogadas às vezes se lembram de fragmentos do ataque e, outras vezes, não lembram absolutamente nada. Os psiquiatras não sabem praticamente nada sobre como se desenvolve o desejo por drogar e estuprar alguém, e os perpetradores raramente falam sobre isso. Os casos são tão raros que ninguém publicou um estudo sobre o comportamento.
Em um vídeo feito por Luster, divulgado durante os procedimentos no tribunal e descrito no The Los Angeles Times, ele está na beira de uma cama com uma mulher desmaiada atrás dele. Ele diz para a câmera: "algumas pessoas sonham com o Natal, dia de Ação de Graças, em se reunir com os amigos... Eu sonho com isso... uma loira quase ruiva, uma garota bonita, desmaiada na minha cama e, basicamente, lá para eu fazer o que bem quiser."
Se esses impulsos forem como a maioria que vêm das outras parafilias, eles surgiriam logo cedo, quando as pessoas atingem a maturidade sexual, e raramente desaparecem. Os médicos têm tentado várias formas de psicoterapia e medicamentos para reduzir, por exemplo, e sem muito sucesso, os impulsos de pedofilia, o desejo sexual de um adulto por crianças.
"Ocasionalmente há alegações de que existe tratamento, mas ninguém apresentou provas convincentes e significativas de que alguém com uma parafilia pode ser transformado em alguém sem parafilia", disse Cantor. "Até onde podemos dizer, é como a orientação sexual."
Muitas vezes, dizem os terapeutas, pessoas com tais preferências sexuais podem aprender a integrá-las em um relacionamento consensual saudável --como no sadomasoquismo, por exemplo, bondage, ou fetiches por pés. Mas esses casos por definição não são parafilias.
A parafilia é diagnosticada apenas quando a preferência causa uma "dificuldade significativa de movimento", ou quando o indivíduo "age guiado por esses impulsos sexuais com uma pessoa que não consente."
Tradutor: Eloise De Vylder

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