Sarkozy torna-se um mito europeu
Arnaud Leparmentier - Le Monde
Matthieu Alexandre/AFP
29.nov.2014 - Nicolas Sarkozy é abordado para
uma "selfie" ao deixar a sede do UMP (União por um Movimento Popular), o
partido conservador da França
Ele queria voltar a exercer o papel de presidente, ser tratado de igual para igual por Angela Merkel, convidado para sua chancelaria em Berlim. Pena. Nicolas Sarkozy é só líder de partido e não será recebido pela chanceler, mas sim pela presidente da União Democrata Cristã (CDU, na sigla em alemão), que realizará seu congresso na semana que vem em Colônia, o que simbolizaria uma volta menos fulgurante que o esperado.
Nicolas Sarkozy quer reavivar o mito do bom europeu. Todos conhecem
suas façanhas: ele moderou, durante sua presidência bem-sucedida da
União Europeia, a ofensiva de Putin na Geórgia no verão de 2008,
organizou durante o outono o resgate dos bancos europeus, depois
renegociou o tratado de Maastricht com Angela Merkel durante a terrível
crise do euro.Ele queria voltar a exercer o papel de presidente, ser tratado de igual para igual por Angela Merkel, convidado para sua chancelaria em Berlim. Pena. Nicolas Sarkozy é só líder de partido e não será recebido pela chanceler, mas sim pela presidente da União Democrata Cristã (CDU, na sigla em alemão), que realizará seu congresso na semana que vem em Colônia, o que simbolizaria uma volta menos fulgurante que o esperado.
O eurosarkozysmo tem uma face mais sombria. Mal foi eleito, em julho de 2007, o jovem presidente começou, assim como Jacques Chirac, a voltar atrás nos compromissos orçamentários da França. E a respeito do ministro alemão das Finanças, Peer Steinbrück, que contestava sua política, ele deu como resposta: "Quem é esse imbecil?"
Ele entendeu a gravidade da crise em seu discurso de Toulon no outono de 2008, mas a usou como pretexto para manter sua política laxista-keynesiana (o Partido Socialista exigia ainda mais gastos). Ele entendeu imediatamente a gravidade da crise grega, mas a agravou em outubro de 2010, na trágica cúpula de Deauville, ao ceder a Angela Merkel que queria tornar possível a falência parcial dos países pouco virtuosos da zona do euro. De grega, a crise se tornou irlandesa, portuguesa e espanhola. Tudo isso porque ele havia obtido em troca que a Comissão não se intrometesse demais em seus assuntos orçamentários.
Por fim, quando Sarkozy decidiu adotar uma política da oferta, no início de 2012, alinhada com a da Alemanha, ele logo mudou de opinião em relação à ineficácia eleitoral do dispositivo e pronunciou diatribes populistas anti-Schengen.
Convergência franco-alemã
Esse histórico inspira cautela sobre os discursos sobre a UE do presidente da UMP. Seu leitmotiv é ser fiel a Berlim e salvar o euro. "O que estamos fazendo com a Alemanha?", ele questionou este outono, uma vez que franceses e alemães brigaram durante três séculos. "Não sou daqueles que pensam que a Segunda Guerra Mundial aconteceu porque era a geração errada. A geração de Hitler foi a de Thomas Mann, a de Pétain, a de Proust."Observação correta. A relação franco-alemã é existencial. Para salvá-la é preciso fazer com que as duas economias "convirjam". Esse novo objetivo europeu implica cortar os gastos públicos da França, consentir um "esforço maciço" para aliviar os encargos que pesam sobre a produção e transferi-los para o consumo, além de eliminar o ISF [imposto sobre fortunas]. Em suma, algo inédito com Sarkozy, um choque thatcheriano-schröderiano. A ver.
O segundo assunto seria a ampliação da União Europeia. Embora ele queira reforçar a zona do euro, Sarkozy mantém sobre a UE dos 28 Estados-membros um discurso digno do primeiro-ministro britânico, David Cameron. "Eu gostaria que suprimissem 50% das jurisdições da Europa para reagrupá-las em torno de uma dezena de políticas: política industrial, política agrícola, política de pesquisa. Todo o resto deve ser devolvido em jurisdições aos Estados-nações", declarou Sarkozy.
Foi uma reviravolta impressionante por parte do bajulador do tratado de Lisboa (2007), que dera mais jurisdições à Europa. A declaração contém curiosas contradições: Sarkozy quer inventar grandes políticas --o que implica um aumento das jurisdições da UE-- e não diz palavra sobre aquilo que ele quer devolver aos Estados. Da mesma forma, ele ataca a Alemanha, que paga com menos de um salário mínimo trabalhadores temporários búlgaros e poloneses, se queixa de "sofrer dumping fiscal e dumping social". Mas para compensar esses abusos, são necessárias mais ou menos jurisdições europeias?
A obsessão do diretório
O terceiro tema seria Schengen e a abolição das fronteiras, ideia fixa de Sarkozy desde as eleições presidenciais que ele perdeu em 2012. "Sobre Schengen, a situação não pode continuar, é preciso fazer a política da cadeira vazia", diz Sarkozy em uma angustiante referência ao general De Gaulle, que boicotou Bruxelas em 1966 porque ele não aceitava as decisões da maioria.Três observações: primeiro, a cadeira vazia não mudará nada. Se Sarkozy quiser ir até o fim, que ele restabeleça os controles nas fronteiras francesas como quer Marine Le Pen. Segundo, o problema mais polêmico é o dos ciganos, que têm o direito de circular dentro da UE e nisso os controles não mudarão grande coisa. Terceiro, as fronteiras externas são efetivamente mal vigiadas.
Assim como o euro, Schengen está incompleto. A Europa deverá então arrumar, senão uma polícia europeia de fronteiras, pelo menos um órgão de inspeção europeu que se certifique de que essas fronteiras sejam bem vigiadas. Imaginem qual será a reação de Nicolas Sarkozy quando esses inspetores criticarem a negligência da polícia das fronteiras no aeroporto de Roissy, grande porta de entrada dessa suposta peneira da Europa.
Chegamos à quarta preocupação: a supranacionalidade. O neogaullista Sarkozy até quer uma Europa, contanto que jamais fique em minoria, o que explica sua obsessão pelo diretório. É preciso que a Alemanha e a França "assumam o poder juntas à frente do governo econômico da zona do euro", ele repete. "A liderança é um dever, não um direito". Mas que ninguém venha contestar suas escolhas.
Quando o comissário alemão Günther Oettinger disse o óbvio ao chamar a França de "país deficitário reincidente", Sarkozy elevou o tom: "Até meu último suspiro, continuarei sendo um patriota. Não posso aceitar que insultem a França". Com Sarkozy, qualquer cobrança de cumprimento de regras equivale a um insulto. A união franco-alemã começou mal.
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