É correta a decisão da USP de adotar sistema de reserva de vagas pelo Enem?
NÃO
A universidade "série B"
Marcelo Rede - FSP
A USP vive uma contradição atroz. Sofre pressões para se manter como a
melhor universidade brasileira, liderar a produção acadêmica e brilhar
nas classificações internacionais. Com seus 90 mil alunos e apenas 80
anos, precisa destacar-se em uma corrida liderada por instituições bem
menores, mais estruturadas e ricas, com séculos de história, como
Harvard, nos Estados Unidos, ou Oxford, no Reino Unido.
Por outro lado, ela é cobrada a cumprir o seu papel social, dando oportunidades a todos e formando cada vez mais profissionais.
O cálculo eleitoral dos políticos e os movimentos sociais pressionam
para que ela se "democratize" e inclua mais estudantes das escolas
públicas e de camadas mais desfavorecidas da população. Alguns sugerem
mecanismos moderados e lentos de inclusão. Outros clamam por uma
"universidade popular" e até pelo fim do vestibular.
A USP tem administrado essa pressão de modo fragmentado, sem
uniformidade institucional. Prefere agir no varejo, agravando as
diferenças entre suas faculdades.
A USP sempre foi um mosaico desigual, mas decisões equivocadas podem
estar criando dois mundos em uma só universidade. No passado, a USP
comprometeu-se a ampliar a oferta de cursos noturnos. Ideia louvável,
mas, na prática, apenas algumas das faculdades deram sua contribuição,
duplicando turnos e aumentando significativamente o número de
estudantes.
O impacto desigual ocorre também no atual sistema de bônus da Fuvest, o
Inclusp. A intenção seria permitir maior ingresso de alunos de escolas
públicas e dos chamados PPIs --pretos, pardos e indígenas.
Entretanto, o mecanismos é desequilibrado: suficiente para fazer alguns
alunos desfavorecidos passarem nas carreiras menos concorridas, mas
inútil para alavancar os candidatos às carreiras com notas de corte
elevadas. É bom para apresentar estatísticas gerais otimistas, mas
apenas mascara a distorção.
Agora, a USP decidiu por um uso parcial e fragmentado do Enem. E optou
pelo pior caminho: permitiu que cada unidade decidisse pela adesão, ou
não, e indicasse o número de vagas a serem preenchidas.
Algumas faculdades optaram por destinar até 30% de suas vagas ao Enem;
outras nem sequer cogitaram adotar essa modalidade, e continuarão com
100% de suas vagas preenchidas pela Fuvest. Sob o argumento de respeitar
a autonomia das unidades, a reitoria promoveu um salve-se quem puder e
embarcou no Enem depois que as inscrições ao exame já se encerraram.
O próximo passo desse processo poderá ser o debate sobre as cotas
raciais. Se essa temerária pulverização prevalecer, a presente gestão
terá contribuído para criar uma USP de duas cores, separadas pela
fronteira que divide cursos de primeira e de segunda linhas. Assim como
para o Enem, qualquer decisão sobre as cotas deveria ser válida para o
conjunto da universidade.
Caso contrário, o risco é termos uma USP "série A", com cursos diurnos e
integrais, unidades irrigadas por recursos de fundações privadas e
estudantes selecionados por um vestibular mais rigoroso e, de outro
lado, uma "USP do B", com cursos noturnos, faculdades dependentes só do
Orçamento público e alunos recrutados por filtros menos exigentes,
agravados por bônus ou cotas.
Para enfrentar essas disparidades internas e evitar o "cada um por si", a
USP necessita de uma política coerente, que valorize igualmente todas
as áreas, adote sistemas de seleção homogêneos e assegure a todas as
faculdades os meios para uma formação de alta qualidade.
Só assim será justa com todos os candidatos, não importa se prestam medicina ou pedagogia.
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