sábado, 27 de junho de 2015

É correta a decisão da USP de adotar sistema de reserva de vagas pelo Enem?
NÃO
A universidade "série B"
Marcelo Rede - FSP
A USP vive uma contradição atroz. Sofre pressões para se manter como a melhor universidade brasileira, liderar a produção acadêmica e brilhar nas classificações internacionais. Com seus 90 mil alunos e apenas 80 anos, precisa destacar-se em uma corrida liderada por instituições bem menores, mais estruturadas e ricas, com séculos de história, como Harvard, nos Estados Unidos, ou Oxford, no Reino Unido.
Por outro lado, ela é cobrada a cumprir o seu papel social, dando oportunidades a todos e formando cada vez mais profissionais.
O cálculo eleitoral dos políticos e os movimentos sociais pressionam para que ela se "democratize" e inclua mais estudantes das escolas públicas e de camadas mais desfavorecidas da população. Alguns sugerem mecanismos moderados e lentos de inclusão. Outros clamam por uma "universidade popular" e até pelo fim do vestibular.
A USP tem administrado essa pressão de modo fragmentado, sem uniformidade institucional. Prefere agir no varejo, agravando as diferenças entre suas faculdades.
A USP sempre foi um mosaico desigual, mas decisões equivocadas podem estar criando dois mundos em uma só universidade. No passado, a USP comprometeu-se a ampliar a oferta de cursos noturnos. Ideia louvável, mas, na prática, apenas algumas das faculdades deram sua contribuição, duplicando turnos e aumentando significativamente o número de estudantes.
O impacto desigual ocorre também no atual sistema de bônus da Fuvest, o Inclusp. A intenção seria permitir maior ingresso de alunos de escolas públicas e dos chamados PPIs --pretos, pardos e indígenas.
Entretanto, o mecanismos é desequilibrado: suficiente para fazer alguns alunos desfavorecidos passarem nas carreiras menos concorridas, mas inútil para alavancar os candidatos às carreiras com notas de corte elevadas. É bom para apresentar estatísticas gerais otimistas, mas apenas mascara a distorção.
Agora, a USP decidiu por um uso parcial e fragmentado do Enem. E optou pelo pior caminho: permitiu que cada unidade decidisse pela adesão, ou não, e indicasse o número de vagas a serem preenchidas.
Algumas faculdades optaram por destinar até 30% de suas vagas ao Enem; outras nem sequer cogitaram adotar essa modalidade, e continuarão com 100% de suas vagas preenchidas pela Fuvest. Sob o argumento de respeitar a autonomia das unidades, a reitoria promoveu um salve-se quem puder e embarcou no Enem depois que as inscrições ao exame já se encerraram.
O próximo passo desse processo poderá ser o debate sobre as cotas raciais. Se essa temerária pulverização prevalecer, a presente gestão terá contribuído para criar uma USP de duas cores, separadas pela fronteira que divide cursos de primeira e de segunda linhas. Assim como para o Enem, qualquer decisão sobre as cotas deveria ser válida para o conjunto da universidade.
Caso contrário, o risco é termos uma USP "série A", com cursos diurnos e integrais, unidades irrigadas por recursos de fundações privadas e estudantes selecionados por um vestibular mais rigoroso e, de outro lado, uma "USP do B", com cursos noturnos, faculdades dependentes só do Orçamento público e alunos recrutados por filtros menos exigentes, agravados por bônus ou cotas.
Para enfrentar essas disparidades internas e evitar o "cada um por si", a USP necessita de uma política coerente, que valorize igualmente todas as áreas, adote sistemas de seleção homogêneos e assegure a todas as faculdades os meios para uma formação de alta qualidade.
Só assim será justa com todos os candidatos, não importa se prestam medicina ou pedagogia.

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