Turma do barulho
Hélio Schwartsman - FSP
SÃO PAULO - Da mesma forma que os vereadores de São Paulo não
podem legalizar a cocaína na cidade, tampouco podem proibir um produto
cuja comercialização é legal no país. A questão da competência
legislativa é um conceito elementar em direito e é difícil imaginar que o
prefeito Fernando Haddad não esteja familiarizado com ele.
Ainda que não estivesse, a Procuradoria Geral do Município recomendara
ao prefeito que vetasse, por vício de inconstitucionalidade, o projeto
de lei que bane o "foie gras" dos restaurantes da cidade. Mas Haddad o
sancionou. A melhor hipótese para explicar a atitude é que ele não quis
comprar briga com os defensores dos animais. Preferiu empurrar a
encrenca para o Judiciário.
Não sou indiferente ao sofrimento de nossos amigos peludos e emplumados.
Na melhor tradição consequencialista, apoio a ideia de reduzir a
quantidade de dor desnecessária no planeta. É claro, porém, que o
adjetivo "desnecessário" abre caminho para sutilezas hermenêuticas.
A menos que se pretenda tornar o vegetarianismo obrigatório, a produção
de carne precisa estar autorizada. E, uma vez definido que patos e
gansos podem ser abatidos para consumo, a discussão pertinente é sobre
as condições em que são criados.
A técnica de alimentação forçada usada para engordar o fígado dos bichos
parece de fato cruel, especialmente quando se considera que ela não é
imprescindível. Existem maneiras bem agradáveis de desenvolver uma
esteatose hepática. O melhor remédio contra a dor desnecessária,
portanto, não é proibir o "foie gras", mas cuidar para que seja
produzido de forma menos cruel.
O que há a lamentar nesse episódio é que um projeto sabidamente
inconstitucional tenha se convertido em lei não por suas virtudes
intrínsecas, que não existem, mas porque o lobby que o gerou é
especialmente barulhento. Democracias não deveriam premiar radicalismos.
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