terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Nova diplomacia do gás induz mudanças no leste do Mediterrâneo
Israel e Turquia se reaproximam depois da ruptura pelo ataque à flotilha de Gaza
Juan Carlos Sanz - El País
Kayhan Ozer/Presidential Palace/Reuters
19.dez.2015 - O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan (dir), se encontra com o líder do Hamas, Khaled Meshaal, em Istambul, na Turquia19.dez.2015 - O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan (dir), se encontra com o líder do Hamas, Khaled Meshaal, em Istambul, na Turquia
Os complexos laços entre os países do Mediterrâneo oriental, marcados por décadas de confrontos, poderão ser alterados pela descoberta e exploração de grandes reservas de gás natural.
O princípio de acordo anunciado para a normalização das relações entre Israel e Turquia, degradadas depois do assalto à flotilha de Gaza em 2010, parece ter como fundo uma corrida pela riqueza da energia à qual se somaram vizinhos como Chipre e Egito.
A Turquia havia se mantido firme até agora em sua controvérsia com Israel nos últimos cinco anos. A morte de dez de seus cidadãos na operação lançada por comandos israelenses em águas internacionais para interceptar o navio turco Mavi Marmara, que encabeçava uma flotilha com ajuda humanitária para Gaza, em 2010, arruinou as estreitas relações de cooperação que Ancara mantinha com o Estado judeu.
Recep Tayyip Erdogan, então primeiro-ministro e hoje presidente da Turquia, exigiu três condições para a reconciliação: um pedido de desculpas do governo israelense, indenização para as famílias das vítimas e a suspensão do bloqueio à faixa de Gaza.
O presidente dos EUA, Barack Obama, arrancou com fórceps as desculpas do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu durante uma visita a Jerusalém em 2013. O chefe do governo israelense também já aceitou pagar US$ 20 milhões em indenizações às famílias, por meio de um fantástico fundo internacional.
Resta ver como Erdogan e Netanyahu arbitrarão o difícil terceiro ponto sobre Gaza. Um alto funcionário do Ministério das Relações Exteriores turco declarou à agência Reuters que também havia ocorrido uma aproximação nesse assunto, mas sem explicar mais sobre a questão.
Em uma coluna no jornal israelense "Maariv", o analista Smadar Peri apontou ontem que Netanyahu parece disposto a anunciar um levantamento parcial do bloqueio, deixando claro que toda ajuda humanitária que chegue a Gaza seria aceita e que os moradores do enclave poderiam receber autorizações de saída "em função de suas necessidades".
Apesar de os dois países aliados dos EUA no Mediterrâneo oriental terem retirado seus embaixadores e suspendido a cooperação militar e de segurança, as relações econômicas entre Israel e Turquia não deixaram de crescer. O volume do comércio bilateral duplicou desde o ataque à flotilha de Gaza, alcançando um valor aproximado de 5,1 bilhões de euros em 2014.
A presença da Rússia como novo ator regional, depois de sua intervenção militar na Síria, também contribuiu para modificar os equilíbrios nas relações diplomáticas. Israel teme a mobilização dos mísseis terra-ar S400 russos, capazes de interceptar seus aviões de combate mais modernos.
A Turquia, que começa a sofrer os efeitos das sanções de Moscou depois da derrubada de um bombardeiro russo que acusou de violar seu espaço aéreo, viu se dissipar o projeto de um gasoduto para a Europa atravessando a Anatólia, promovido pelo Kremlin. Exatamente mais da metade do gás consumido pelos turcos tem origem na Rússia.
A partida de pôquer para desbloquear as relações turco-israelenses foi jogada em apenas uma semana. Primeiro foi Netanyahu --que acaba de dar um murro jurídico sobre a mesa do Parlamento ao aprovar a exploração da grande jazida de gás Leviatã-- que revelou no Knesset que seu governo ia negociar a venda de gás à Turquia. Depois foi Erdogan quem advertiu que a retomada das relações poderia ser benéfica para toda a região. Finalmente se soube que altos cargos diplomáticos de ambos os países se reuniram em segredo na quarta-feira passada (16) na Suíça para fechar os detalhes de um princípio de acordo.

Alternativas à Rússia

Pelo lado israelense se exige o compromisso de limitar as atividades do Hamas e de expulsar da Turquia um de seus chefes de operações, Saleh Aruri, que é acusado de teledirigir ações terroristas na Cisjordânia. À espera da evolução dos acontecimentos, o encontro mantido no último sábado (19) em Istambul entre o presidente Erdogan e o líder do Hamas, Khaled Meshal, pode ser interpretado como uma advertência aos islamistas palestinos.
Pelo lado turco, tenta-se antes de tudo transmitir à Rússia que existem outras fontes de fornecimento de gás. Por isso, em todas as informações surgidas sobre o princípio de acordo alcançado na Suíça figura a negociação da exportação de gás israelense à Turquia.
A jazida de Leviatã, com reservas estimadas em 622 bilhões de metros cúbicos e que começará a produzir no final desta década, garantirá a independência energética de Israel, que já tem coberta quase a metade de suas necessidades de gás depois da entrada em operação em 2010 do campo Tamar, também em águas próximas a Haifa.
O governo de Netanyahu pretendia exportar os excedentes à Jordânia e ao Egito por uma rede de gasodutos existente, mas a descoberta da jazida de Zhor na zona de exploração econômica egípcia arruinou esses planos. A companhia italiana ENI, que realizou as prospecções, estima que as reservas de gás localizadas superam as de Leviatã, com um volume que viria a satisfazer as necessidades do consumo interno e permitiria devolver ao Egito o papel de país exportador de energia.
Desenvolver as interconexões levará tempo. Apesar de que a cotação das ações da companhia turca Zorlu Energy, que negociou a construção de um gasoduto com empresas israelenses, ter disparado 10% na sexta-feira na Bolsa de Istambul, os analistas advertem que se trata de um projeto complexo (até 2 mil metros de profundidade) e caro (no mínimo 2,7 bilhões de euros).
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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