A necessária revisão do foro privilegiado
Especula-se por que o Senado extinguiu a
prerrogativa, mas, seja como for, é positiva a revisão de um dispositivo
que, nesta dimensão, só existe no Brasil
O Globo
Chega a surpreender que o Senado, por unanimidade, haja aprovado, em
primeiro de dois turnos, a proposta de emenda constitucional que
extingue o foro especial, com exceção para os presidentes da República,
Câmara, Senado e Supremo. Apresentada por Álvaro Dias (PV-PR) e relatada
por Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a PEC, se passar pelos três turnos
restantes de votação com quorum qualificado, atingirá cerca de 35 mil
autoridades.
Especulações à parte sobre o que pode ter levado a Casa a este surto
de altruísmo, é boa iniciativa avançar sobre uma prerrogativa que, nesta
extensão, só existe no Brasil. De fato, uma jabuticaba. Pode ser que os
parlamentares tenham se apressado diante da decisão da presidente do
STF, ministra Cármen Lúcia, de colocar na pauta da Corte, para exame em
maio, uma proposta de revisão do foro, de autoria do ministro Luís
Roberto Barroso.
Assim, o Supremo alteraria a aplicação da norma por meio de uma
reinterpretação do texto legal, sem precisar, para isso, da Câmara e do
Senado.
Ao menos, o fato de o Congresso resolver tratar do assunto evita
críticas de que o Supremo invade áreas do Legislativo. Seria mais uma
desnecessária rusga entre poderes, no momento em que não se pode perder
tempo diante da missão crucial do Congresso de aprovar as reformas.
Não se discute é a necessidade da revisão da amplitude da aplicação
do foro privilegiado. Mas acabar com o foro, pura e simplesmente, para
quase todos não parece a melhor solução. É neste sentido que a decisão
unânime do Senado alimenta especulações. É possível que surjam novas
explicações para a motivação dos 75 senadores que aprovaram a PEC na
quarta-feira.
Como ainda há um longo trajeto à frente da PEC e, espera-se, muito
debate, pode ser que, na Câmara, onde também haverá dois turnos de
votação por quorum especial (maioria de três quintos ou 60% dos
parlamentares), há a possibilidade de se considerar a sensata fórmula
que o ministro Luís Roberto Barroso tem defendido.
Relator de um processo em que o político acusado mudou sucessivamente
de foro, e isso atrasou muito o julgamento do caso, Barroso defende
que, para efeito de definição de instância, sejam apenas considerados
crimes relacionados ao cargo da pessoa.
Acredita-se que isso ajudaria a desafogar o Supremo, tribunal para
presidente da República, parlamentares federais e ministros. Como não é
uma corte preparada para julgar processos criminais, e, com a Lava-Jato,
começa a haver um acúmulo desse tipo de casos, o risco é concreto de
que incontáveis acusados se livrem da condenação por prescrições.
Antes das delações da Odebrecht, estima-se que houvesse 400 processos
no STF sobre parlamentares. Apenas a partir dos testemunhos da cúpula
da empreiteira, o relator Edson Fachin, a pedido do MP, abriu quase 80
novos inquéritos. Aceitas as denúncias, instauram-se processos etc.
O mensalão, um caso de dimensão menor, consumiu sete anos entre a
chegada da denúncia do MP ao Supremo e o julgamento final. É real,
então, o risco de a Lava-Jato terminar em frustração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário