Angelo Abu | ||
Tudo está bem quando acaba bem, certo? Primeira narrativa: Emmanuel
Macron, um independente "centrista", e Marine Le Pen, a líder da extrema
direita, passaram à segunda volta das presidenciais na França.
E, na segunda volta, Macron ficará acima dos 60%. O perigo de Marine Le Pen será dissipado, e a Europa oficial poderá repetir o que disse sobre as eleições na Holanda: mais uma prova superada. O populismo não vencerá!
Mas existe uma segunda narrativa, menos simpática, talvez mais realista: a França está de rastos. Não falo apenas de números: desemprego nos 10% (e o dobro entre os jovens), crescimento econômico pouco acima de 1% e mais de 230 mortos, vítimas de terrorismo, só nos últimos dois anos.
Falo sobretudo do sistema partidário: Paris amanheceu ontem com a sua Quinta República transformada. As eleições ditaram o fim de socialistas e conservadores. Para termos uma pequena ideia: em 2012, François Hollande (28,6%) e Nicolas Sarkozy (27,1%) foram os cabeças de cartaz. Em 2017, François Fillon e o risível Benoît Hamon desapareceram da paisagem.
Em contrapartida, os extremos subiram: Marine Le Pen, que teve 17,9% em 2012, ultrapassou os 21%. Jean-Luc Mélenchon, que tinha como programa transformar a França numa espécie de Venezuela europeia, subiu dos 11,1% para próximo dos 20%. E Macron, putativo presidente, é uma gigantesca incógnita que simboliza apenas o repúdio da maioria pelo "sistema". Como explicar a debacle?
Christopher Caldwell ajuda. Em artigo para a "City Journal", o veterano jornalista escreve sobre a obra do geógrafo francês Christophe Guilluy. Tese de Guilluy: a França é um país cortado em duas metades.
A primeira se beneficiou da globalização e da "economia do conhecimento". Vive nas grandes cidades (Paris, Marselha, Lyon). Afluente e "multiculturalista", tolera a imigração porque, em rigor, são os imigrantes que limpam a casa e cuidam dos filhos.
Mas depois existe a outra metade: "la France périphérique", para usar o título de uma obra do geógrafo, composta por trabalhadores fabris, agrícolas, burocráticos, que perderam o trem e foram abandonando as cidades. Empobreceram, adoeceram e, segundo as estatísticas, morrem mais cedo. Representam 60% da população.
Sem surpresas, são menos "tolerantes" e "multiculturalistas". Não por razões "securitárias", ao contrário do que observadores externos podem imaginar. No topo do ressentimento, estão razões econômicas e sociais: as cidades não são apenas habitadas pela "elite"; os "estrangeiros" também ocuparam o seu espaço –o espaço que pertencia a esta classe despromovida. Vivem na habitação "pública" (ou "social") que, escusado será dizer, é muitas vezes o vespeiro da pequena criminalidade –e do jihadismo doméstico.
Gostei de ler essas observações de Guilluy porque, honestamente, elas explicam o meu pasmo. Caminhar por Paris é um exercício contraintuitivo: habituados a imagens de terror na TV, tudo que encontramos é uma cidade mais cara e elegante do que nunca. Tão cara e elegante que questionamos, ingenuamente, se haverá lugar no paraíso para as classes médias. Guilluy responde: não há.
Perante esse bloqueio, existe a tentação lunática de apanhar o vento com as mãos. Que o mesmo é dizer: reverter a "visão mundialista", travar a globalização, exercer um "protecionismo inteligente" –uma receita de atraso econômico e punição dos consumidores que Marine Le Pen, ou o seu gêmeo de extrema esquerda Mélenchon, defende.
Mas existe também outro caminho: reformar a economia nativa –do seu mercado laboral ossificado a um Estado voraz e perdulário– para reintegrar, ou pelo menos compensar, os que ficaram pelo caminho. Sem esquecer, claro, esse pormenor desagradável: a França vive uma lenta guerra civil contra a loucura islamita.
Não sei se Emannuel Macron é o homem certo para a tarefa. Tenho dúvidas, muitas dúvidas. Mas há duas coisas que eu sei: a França de 2017 tem todos os condimentos para uma revolução futura. E o pobre Macron é provavelmente a última oportunidade do país antes de essa revolução chegar.
E, na segunda volta, Macron ficará acima dos 60%. O perigo de Marine Le Pen será dissipado, e a Europa oficial poderá repetir o que disse sobre as eleições na Holanda: mais uma prova superada. O populismo não vencerá!
Mas existe uma segunda narrativa, menos simpática, talvez mais realista: a França está de rastos. Não falo apenas de números: desemprego nos 10% (e o dobro entre os jovens), crescimento econômico pouco acima de 1% e mais de 230 mortos, vítimas de terrorismo, só nos últimos dois anos.
Falo sobretudo do sistema partidário: Paris amanheceu ontem com a sua Quinta República transformada. As eleições ditaram o fim de socialistas e conservadores. Para termos uma pequena ideia: em 2012, François Hollande (28,6%) e Nicolas Sarkozy (27,1%) foram os cabeças de cartaz. Em 2017, François Fillon e o risível Benoît Hamon desapareceram da paisagem.
Em contrapartida, os extremos subiram: Marine Le Pen, que teve 17,9% em 2012, ultrapassou os 21%. Jean-Luc Mélenchon, que tinha como programa transformar a França numa espécie de Venezuela europeia, subiu dos 11,1% para próximo dos 20%. E Macron, putativo presidente, é uma gigantesca incógnita que simboliza apenas o repúdio da maioria pelo "sistema". Como explicar a debacle?
Christopher Caldwell ajuda. Em artigo para a "City Journal", o veterano jornalista escreve sobre a obra do geógrafo francês Christophe Guilluy. Tese de Guilluy: a França é um país cortado em duas metades.
A primeira se beneficiou da globalização e da "economia do conhecimento". Vive nas grandes cidades (Paris, Marselha, Lyon). Afluente e "multiculturalista", tolera a imigração porque, em rigor, são os imigrantes que limpam a casa e cuidam dos filhos.
Mas depois existe a outra metade: "la France périphérique", para usar o título de uma obra do geógrafo, composta por trabalhadores fabris, agrícolas, burocráticos, que perderam o trem e foram abandonando as cidades. Empobreceram, adoeceram e, segundo as estatísticas, morrem mais cedo. Representam 60% da população.
Sem surpresas, são menos "tolerantes" e "multiculturalistas". Não por razões "securitárias", ao contrário do que observadores externos podem imaginar. No topo do ressentimento, estão razões econômicas e sociais: as cidades não são apenas habitadas pela "elite"; os "estrangeiros" também ocuparam o seu espaço –o espaço que pertencia a esta classe despromovida. Vivem na habitação "pública" (ou "social") que, escusado será dizer, é muitas vezes o vespeiro da pequena criminalidade –e do jihadismo doméstico.
Gostei de ler essas observações de Guilluy porque, honestamente, elas explicam o meu pasmo. Caminhar por Paris é um exercício contraintuitivo: habituados a imagens de terror na TV, tudo que encontramos é uma cidade mais cara e elegante do que nunca. Tão cara e elegante que questionamos, ingenuamente, se haverá lugar no paraíso para as classes médias. Guilluy responde: não há.
Perante esse bloqueio, existe a tentação lunática de apanhar o vento com as mãos. Que o mesmo é dizer: reverter a "visão mundialista", travar a globalização, exercer um "protecionismo inteligente" –uma receita de atraso econômico e punição dos consumidores que Marine Le Pen, ou o seu gêmeo de extrema esquerda Mélenchon, defende.
Mas existe também outro caminho: reformar a economia nativa –do seu mercado laboral ossificado a um Estado voraz e perdulário– para reintegrar, ou pelo menos compensar, os que ficaram pelo caminho. Sem esquecer, claro, esse pormenor desagradável: a França vive uma lenta guerra civil contra a loucura islamita.
Não sei se Emannuel Macron é o homem certo para a tarefa. Tenho dúvidas, muitas dúvidas. Mas há duas coisas que eu sei: a França de 2017 tem todos os condimentos para uma revolução futura. E o pobre Macron é provavelmente a última oportunidade do país antes de essa revolução chegar.
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