Não é grande surpresa. A Rússia passa muito longe de ser um sistema autêntico de liberal-democracia ou República, adicionando a um regime de “cleptocracia”, algo similar ao que nós temos aqui no Brasil, um figurino autoritário que concentra os poderes nas mãos do Kremlin e de Putin, com repressão e perseguição a toda divergência. Também são conhecidas as ligações do Estado com a Igreja Ortodoxa, interessada há algum tempo nessa medida de censura.
O que me surpreendeu em alguma medida foi ler comentários de brasileiros aprovando a decisão. Em alguma medida, porque seções de comentários em publicações costumam mesmo mostrar as piores facetas da nossa vida social. Existe um grupo na autointitulada “direita” – brasileira e mundial – que enaltece o líder russo Vladimir Putin e a filosofia eurasiana de Aleksandr Dugin, um dos principais ideólogos do país, como bastiões da civilização que se opõem ao “globalismo” americano, em um olhar simplista que distorce uma realidade muito mais redonda. Suas manobras para se sustentar no poder, suas perseguições violentas, todas as suspeitas que rondam em torno de seu governo, tudo é “intriga da oposição” ou mesmo perigosamente válido, já que ele é um líder “forte e cristão”. Como se fosse cristão de fato um “ex”-agente da KGB que acredita que Stálin não foi tão ruim assim…
Contudo, a maioria das manifestações de apoio ao gesto de Putin que pude observar parece ter vindo de brasileiros comuns do dia-a-dia, não sequestrados por essa paranoia ideológica, que simplesmente se baseiam em sua experiência pessoal com as Testemunhas de Jeová, no incômodo com as senhoras militantes que visitam casas de manhã cedo para “levar a Palavra”, em casos de hostilidade moral a pessoas de outras crenças e maus tratos a familiares que abandonam a religião.
Não creio mesmo que isso seja um apoio generalizado ou produto de uma reflexão prolongada, mas me pareceu uma perspectiva relevante para colocar em questão os nossos maiores princípios e valores. Não sou Testemunha de Jeová, nunca fui, nunca serei e já tive experiência direta com manifestações desagradáveis do gênero que essas pessoas estão descrevendo. Não em minha própria família, mas essa alegada hostilidade a familiares que se recusam a endossar suas teses, eu já a pude constatar em caso específico – sem que isso me leve, sem conhecimento de causa, a promover generalizações. Também tive acesso indireto a pessoas com comportamento socialmente bem distinto na mesma religião.
Independentemente disso, ou somos promotores da liberdade de expressão, crença e consciência, ou não. Não me parece que a mão pesada do Estado a silenciar autoritariamente a divergência seja o caminho para equacionar essas possíveis dificuldades. Por complexo que possa ser o constrangimento social, absolutamente nada pode convencer uma mente sã de que as senhoras que ficam na praça distribuindo exemplares de A Sentinela e que te olham torto se você for espírita devam ser presas tanto quanto os homens-bomba que explodem o World Trade Center.
Quem dá sua chancela a esse tipo de medida só o faz porque ainda não é a vítima; contudo, partir do princípio de que se pode sair limitando o direito das pessoas de se reunirem e comungarem de uma determinada crença religiosa porque o governo e a religião dominante não “vão com a cara” dessa mesma crença abre caminho para que amanhã os silenciados sejam os adeptos de quaisquer outras entre as fés existentes. Se você apoia a censura a outra religião, não poderá reclamar quando a sua for considerada inimiga da “ordem social” e o poder humano tentar te forçar a virar as costas ao seu Deus.
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