Adam Smith vive aqui
Carlos Alberto Sardenberg - O Globo
O
"Jornal da Globo" colocou no ar no último dia 14 uma reportagem que
deveria ser gravada em CD e distribuída entre políticos, economistas,
cientistas políticos e sociólogos com o seguinte título: "Receita de
crescimento com inclusão".
A reportagem trata de um caso crítico:
acesso aos computadores e, mais especialmente, à internet de banda
larga. Nas classes D e E, apenas 2% das famílias têm acesso à rede em
casa, o que cria uma enorme desvantagem para seus estudantes e
trabalhadores. Vai daí que "inclusão digital"é objeto de inúmeros
programas de governo, de eficácia duvidosa.
Mas, que tal garantir
acesso à rede, na banda larga, por dois reais a hora, bem pertinho de
casa? Isso certamente inclui muitas pessoas dos bairros mais pobres. É o
que mostra a reportagem do JG.
História exemplar: Eliane
Portela, moradora na favela de Heliópolis, em São Paulo, comprou quatro
computadores, instalou na sua casa (depois de desfazer a cozinha),
assinou banda larga e, pronto, eis uma lan house. A demanda era evidente
e se confirmou: os computadores não param, a sala está sempre lotada,
há filas de dia e de noite.
O preço, dois reais por hora, é
acessível para a população local, que ainda aplaude a iniciativa. O
preço não é caridade de governo, nem filantropia. Ao contrário, remunera
o empreendimento e permite a acumulação de capital. Tanto que Eliane
vai comprar mais oito computadores e ampliar o serviço. Como vai pagar?
Ora, simples: "Com esses mesmos eu vou trabalhando, vou pagando e
comprando mais. Os computadores vão se pagar", explica a empresária
Eliane.
Adam Smith estaria orgulhoso. Reparem, diria ele: "Eliane
foi em busca de seu interesse ou de sua necessidade pessoal; ela
precisava aumentar sua renda pessoal e, ao final, levada pela mão
invisível do mercado, gerou riqueza para si, para a comunidade e abriu
oportunidades sociais para as pessoas."
"Ah, mas isso é muito
limitado", diria um socialista de bom coração e idéias generosas.
"Quantas Elianes haverá? Melhor um amplo programa governamental, capaz
de colocar dezenas, centenas, milhares de lan houses pela periferia
afora."
Essa é a outra opção política e econômica: o governo
compra os computadores, aluga ou adquire salas pelo país afora, assina
milhares de acessos à banda larga, contrata funcionários para treinar os
funcionários das lan houses e coloca tudo para funcionar. Ou, ainda, o
governo cria fábricas de computadores, empresas de banda larga.
Já
pensaram? Licitações, concorrências, concursos, embargos, contestações
variadas, mesmo considerando honestidade plena. Mas, antes de tudo, os
contribuintes já estariam pagando a taxa para financiar isso tudo, assim
como já pagamos a taxa do fundo de universalização de comunicações,
cujos programas de inclusão nunca vimos.
Mas o governo não pode
simplesmente ficar de fora. Tem papel nisso e é o de destravar o
mercado. O primeiro objetivo é baratear o preço dos computadores, o que
pode e deve ser feito com a redução ou mesmo eliminação dos impostos
sobre as máquinas e os programas. Recentemente, uma redução de impostos
para computadores de até R$3 mil provocou uma explosão de vendas para as
classes D e E.
Também é preciso reduzir impostos de importação
de programas e softwares. Redução de impostos para as fábricas de
computadores e de programas aumentaria a competição, com ganhos de
qualidade e redução de preços.
Igualmente, o que mais encarece a
banda larga são os impostos sobre telecomunicações, que chegam a
representar quase 50% da conta.
Também é papel do governo, da
política macroeconômica, conseguir a taxa de juros mais baixa possível e
abrir espaço para financiamentos. De novo, aqui também a redução de
impostos e restrições sobre operações financeiras ajudaria e muito.
Finalmente,
o governo precisa melhorar o ambiente de negócios. Significa facilitar a
abertura e o funcionamento de empresas. Aí é só deixar por conta das
Elianes. Há, sim, milhares e milhares delas pelo país. É o
empreendimento privado que tem feito o país andar, mesmo travado.
Perguntarão:
mas como o governo financiará suas tantas atividades meritórias?
Cobrando imposto de renda e de consumo das Elianes, mas - atenção! -, só
depois que elas estiverem de fato ganhando dinheiro e gastando. O que
não faz sentido é, como se faz hoje, cobrar impostos antes e durante a
abertura do negócio.
E tem uma coisa que os governos não podem
fazer de jeito nenhum. Pelo amor de Deus, não mandem os fiscais lá na
lan house. Como diria o presidente Lula, deixem a moça trabalhar.
(Publicado originalmente em 21/12/2006)
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