Delações expõem engrenagens da velha política
O conjunto de testemunhos do empresário do
grupo JBS é uma aula sobre como funcionam, na prática, o suborno e a
compra de políticos e de favores
O Globo
As delações do empresário Joesley Batista, do grupo JBS, começaram a
estarrecer o país no início da noite de quarta-feira, quando O GLOBO
publicou trechos da explosiva conversa entre Batista e o presidente
Michel Temer, em uma noite de março no Palácio do Jaburu.
O presidente reagiria no dia seguinte, com um discurso veemente,
anunciando que não renunciaria, embora a Procuradoria-Geral da
República, responsável pela negociação da colaboração do empresário,
pedisse abertura de inquérito ao STF para investigá-lo. Aceito pelo
ministro Edson Fachin.
A divulgação, na sexta, de vídeos em que Joesley relata passagens de
seus testemunhos, inclusive a conversa com o presidente, confirmou o
relato do jornal: Temer de fato estimulou o empresário a continuar a dar
mesadas aos encarcerados Eduardo Cunha e Luís Funaro, operador
financeiro do ex-deputado. E assim, Temer perdeu as condições de
continuar no Palácio do Planalto.
Também é explosivo o próprio conjunto das primeiras delações feitas
por Batista. Elas expõem, como já aconteceu em alguns testemunhos da
cúpula da Odebrecht, as engrenagens da velha política brasileira em
funcionamento, lubrificadas por centenas de milhões de dinheiro ilegal,
roubado do contribuinte.
Compra-se muita coisa: textos de leis e de medidas provisórias, apoio a deputados, ajuda em órgãos públicos etc.
Pode-se argumentar que as pessoas gravadas por Joesley — além de
Temer, o senador Aécio Neves, por exemplo — foram instigadas a ter
conversas nada republicanas por alguém interessado em entregar o
material ao Ministério Público Federal, em busca de alguma alforria para
ele e seus negócios. O grave, porém, é que os grampeados aceitaram o
conteúdo e o tom das conversas.
É emblemático que um empresário, sem qualquer registro, entre à noite
na residência do presidente da República, e seja recebido, mesmo sendo
uma pessoa processada e investigada. Aqui começam a ficar visíveis usos e
costumes da velha política, simbolizados na troca de favores
fisiológicos, compadrios e tudo mais.
Temer não deveria ter recebido Joesley, nem ser informado de atos de
corrupção explícita sem reagir: menção a suborno de juízes, de um
procurador infiltrado na Lava-Jato — Ângelo Goulart Villela, preso
depois —, e, tanto quanto isso, permitir que o empresário pressionasse o
ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para atingir objetivos
privados no Cade, na CVM e em outros órgão públicos. Muito menos
conversar sobre juros, tema da seara exclusiva do Banco Central.
Nesta aula de como a velha política é exercida — pela situação e
oposição —, um ponto alto é a indicação por Temer, a Joesley, do
deputado Rocha Loures (PMDB-PR), para resolver “todos os problemas” do
empresário. Pode haver muito de encenação e blefes nesses contatos, em
que cargos são oferecidos como num mercado persa. A Joesley foram
colocados sobre a mesa vários postos. Pode ser teatro, mas está
registrada a entrega da primeira mesada de R$ 500 mil ao deputado
Loures, como remuneração por uma ajuda no Cade numa divergência sobre o
preço do gás cobrado pela Petrobras a uma termelétrica do grupo JBS.
O lado positivo da crise é a demonstração clara de que esta velha
política não pode mais ter espaço no país. Não será por desconhecimento
que este sistema político deixará de ser removido, por meio de reformas,
como a política, e pelo voto.
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