Tempo, tempo, tempo, tempo
O Brasil da Lava-Jato, que se crê em progresso, é o mesmo essencialmente
incapaz de romper — um país de falsas rupturas, que, desde o berço
esplêndido, optou pelas acomodações
Carlos Andreazza - O Globo
O leitor pode — e deve — considerar lento o tempo da Justiça no Brasil,
mas deve também, ou deveria, não embaralhar (ou condicionar) esse
compasso arrastado (mas minimamente impessoal) ao ritmo fulanizado do
calendário eleitoral. É essencial que não se confundam um e outro, e que
não se pressionem ou intimidem, ou sairemos da República da impunidade
para a da impunidade e do justiçamento.
Se os processos judiciais
são demoradíssimos neste país, muito pior seria que de súbito se
acelerassem apenas para dar respostas a demandas e expectativas
eleitorais.
Vejamos o caso de Lula. Concordo que seja o líder de
um projeto de poder criminoso-autoritário sem precedentes, trabalho
diariamente para que a gravidade do assalto petista ao Estado brasileiro
não caia na vala comum dos demais crimes revelados pela Lava-Jato, e
creio que o ex-presidente será condenado em primeira instância ainda
este ano; mas avalio — escrevi e reescrevo — que, apesar disso tudo, ele
será candidato, e competitivo, em 2018. Não é torcida, por óbvio. É
análise e projeção.
Essa leitura decorre também de haver
simplesmente refletido sobre uma questão objetiva: estamos em maio de
2017, e Lula ainda não foi sequer condenado em primeira instância. Será,
reforço; mas ainda não foi. No entanto, para que não possa concorrer no
ano que vem, deverá estar condenado, também em segunda instância, até
1º de outubro de 2018, véspera da votação em primeiro turno.
Apertado, né?
Por
favor, leitor: pense no relógio biológico brasileiro, no andamento
habitual dos processos, nas múltiplas capacidades de recurso e
procrastinação, e me responda se — com um ano e meio até lá — não é
improvável que o ex-presidente esteja impedido de concorrer.
Fazer o quê?
O
tempo da Justiça não pode correr excepcionalmente para punir alguém —
mesmo que Lula. Enquanto isso, enquanto vibramos com o que supomos ser
sua decomposição pública e o condenamos extrajudicialmente, ele vai se
investindo de vítima e fundamentando a própria mitologia de herói.
Esse
choque de tempos, entre o ritmo demorado e travado da Justiça e aquele
predeterminado pelo calendário eleitoral, resultará provavelmente em
que, uma vez iniciada a campanha, deparemo-nos com situações até há
pouco imagináveis somente na sátira política.
Pense o leitor, por
exemplo, num debate hipotético. Estamos no segundo turno. Então,
confrontado pelo mediador com aquilo levantado pela Lava-Jato contra si,
alguém duvida da possibilidade de um candidato defender — com convicção
— a própria honra e ainda atacar o adversário em termos como os abaixo?
Fala,
candidato: “Contra mim há uma simples acusação de caixa 2, um ilícito
meramente eleitoral, que reconheci publicamente e pelo qual venho me
desculpando ao longo de toda essa jornada. Contra o meu adversário,
porém, pesa a grave denúncia de haver recebido propina, um crime de
natureza penal, pelo qual ele deveria ser preso.”
Mais ou menos
divertidamente, isso acontecerá. Mais ou menos escancaradamente,
acontecerá. E por dois motivos. Porque, de fato, há diferenças — de peso
e profundidade — entre os crimes investigados pela Lava-Jato (Deixar —
como ora está — tudo num balaio cego, que a tudo iguala, é serviço pelo
qual os que raptaram e saquearam o Estado eternamente agradecerão). E
porque, enquanto a Lava-Jato avança para expor e punir, move-se — com
igual intensidade, mas nos subterrâneos — a força contrária, monumental,
a do establishment político, repactuando-se para definir novos códigos e
permanecer no poder, e com os mesmos poderes.
Sempre foi assim. E
assim será. O Brasil da Lava-Jato, que se crê em progresso, é o mesmo
Brasil essencialmente incapaz de romper — um país de falsas rupturas,
que, desde o berço esplêndido, optou pelas acomodações. De modo que,
apesar de tudo o que se revela, chegaremos a 2018 com os partidos de
sempre no topo da disputa (mas com a escandalosa novidade do
financiamento público de campanha) e com quase todos os figurões, os
mais e os menos enrolados, no páreo. É como funciona — o que inclui
alguns bois de piranha abandonados ao sacrifício na travessia, para dar a
impressão de sangue aos justiceiros.
Você pode sonhar — cada um
com seu sonho — com Jair Bolsonaro, João Doria, Luciano Huck, Roberto
Justus, Bernardinho, Joaquim Barbosa e até Sergio Moro; mas, afinal,
terá de escolher entre Lula e Geraldo Alckmin.
Você, antipetista,
que hoje vibra com tudo quanto venha da Justiça Federal de Curitiba,
que considera geniais aqueles vídeos em que procuradores da República
emparedam o Parlamento e jogam a população histérica contra a atividade
política, que não vê problema em prisões preventivas que duram anos, que
não tem dúvida de que conteúdo de delação premiada é prova para
condenar e que trata como grave traição à pátria qualquer ressalva,
ainda que mínima, ao trabalho da força-tarefa da Lava-Jato; você, por
favor, lembre-se de que o PT, com tudo de criminoso que se sabe a
respeito, pode ganhar a eleição em 2018, que certamente há (e como há)
simpatizantes petistas no Ministério Público, que os métodos ora
consagrados em Curitiba, portanto, poderão ser aplicados contra você e
os seus — e que haverá também quem se extasie ao vê-los em prática e
julgue moralmente imprescindível uma licença poética às leis para que
todos os bandidos morram na cadeia.
A jurisprudência está criada. Para quem a puder manipular. Para quem chegar (em) primeiro.
Parabéns.
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