Câmara tenta reverter decisão do STF sobre aplicação da Ficha Limpa
Projeto prevê que lei não tem efeito sobre condenações anteriores a 2010
Catarina Alencastro - O Globo
Líderes de diversos partidos tentam reverter um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a inelegibilidade de 8 anos estabelecida na Lei da Ficha Limpa,
implementada em 2010, pode ser aplicada em casos anteriores ao ano em
que a regra começou a valer. Por meio de um projeto de lei complementar
do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), os deputados de 19 partidos
querem “disciplinar” o alcance da lei, que torna inelegível condenados
por abuso de poder econômico ou político. A informação foi dada na coluna Poder em Jogo, do GLOBO, na quinta-feira.
A Lei da Ficha Limpa foi sancionada em junho de 2010 e começou a
valer nas eleições seguintes, de 2012, mas por um placar apertado, de 6 a
5, o Supremo decidiu no início do mês passado que os políticos
condenados antes de a lei entrar em vigor também podem ser atingidos por
essa inelegibilidade de oito anos.
QUASE 300 ATINGIDOS
Antes, o político
condenado ficava inelegível por três anos. Na avaliação dos deputados
que querem anular essa decisão, isso gera um “imbróglio” jurídico, já
que vereadores, prefeitos e deputados poderiam ter seus mandatos
cassados a partir desse entendimento, afetando o quociente eleitoral.
Na conta dos parlamentares, a decisão do STF pode atingir 40
prefeitos, dois deputados federais, 50 estaduais e mais de 200
vereadores.
— Um dos pilares do Direito é que a lei não retroage para prejudicar
ninguém. A lei da Ficha Limpa é inquestionável, é um avanço para o país.
Mas essa decisão do Supremo cria uma insegurança jurídica para a classe
política — pontua o líder do PMDB, Baleia Rossi (SP).
O líder do PT, Carlos Zarattini (SP), que também assinou o
requerimento para que seja logo votado o projeto que regulamenta os
limites de aplicabilidade da lei, argumenta que há casos de vários
prefeitos que foram condenados em 2008, cumpriram a pena de
inelegibilidade de três anos (que vigia à época), candidataram-se
novamente em 2016, elegeram-se, e agora estão com seus mandatos sub
judice.
— É claro que não somos contra a Lei da Ficha Limpa, e que não se
trata disso. O que a gente acha é que é um absurdo a lei retroagir —
diz.
“O
objetivo do presente projeto é evitar que tal retroação seja de tal
intensidade que comprometa a segurança jurídica, a soberania popular, a
coisa julgada, além de todas as consequências sociais, financeiras e
políticas daí decorrentes”, diz o texto do projeto de lei complementar.
Para quem foi condenado até 2009, o prazo de oito anos termina antes da
campanha do ano que vem. Mas ainda poderão ser afetados pela decisão do
STF na eleição de 2018 os que tiveram condenação no primeiro semestre de
2010.
— O Supremo vai ter que modular isso. A lei da Ficha Limpa é
bem-vinda, mantém um rigor necessário dentro do processo eleitoral. Ela
só não pode valer para um período anterior à data em que foi publicada —
reforça o líder do DEM, Efraim Filho (PB).
Um dos poucos partidos que não assinaram o documento que pede a
revisão do último entendimento do STF foi o PSOL. Reservadamente, alguns
deputados do partido confidenciaram que o problema não é o mérito do
projeto, e sim uma questão política de o partido não querer participar
de um movimento liderado por governistas. O projeto é de autoria de um
deputado do PTB e quem fez o requerimento para que a pauta seja votada
com urgência foi o deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG).
— Qualquer alteração na política eleitoral ou relativa à
elegibilidade, ou seja, que possa ter influência direta sobre o pleito, a
gente considera que tem que haver uma ampla discussão com a sociedade, e
não pode ser fruto de acordo de bastidores nos poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário — anota o deputado Glauber Braga (RJ), líder do
PSOL.
No julgamento do STF, a tese vencedora, liderada pelo ministro Luiz
Fux, foi a de que o fato de um político não ter sido condenado na
Justiça é pré-requisito para que ele concorra a um cargo eletivo, e
sendo assim, a vida pregressa dele deve ser observada com um todo pela
Justiça Eleitoral.
Já a ala divergente, da qual fez parte o decano Celso de Mello, e o
relator da matéria, ministro Ricardo Lewandowski, sustentou que a lei
não pode retroceder para não gerar insegurança jurídica. Em seu voto,
Marco Aurélio Mello, que também foi vencido, disse que a sociedade não
pode viver de “sobressaltos provocados pelo Supremo”. Esse é o
raciocínio central dos que pedem a urgência da votação do projeto de
Marquezelli.
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