As elétricas nas eleições
SUELY CALDAS - O Estado de S.Paulo
O desvio e o desperdício de dinheiro atravessam a
história da gestão pública no Brasil. Desde a volta da família real a
Portugal, quando Dom João VI levou o que restava dos cofres do Banco do
Brasil, a classe política se aproveita do poder de manipular verbas e
desviá-las para fins diversos. O desperdício é a marca de políticos
habituados a esbanjar o dinheiro da viúva. Se os valores subtraídos
desde os tempos do Império tivessem sido aplicados com honestidade e
zelo, o Brasil teria hoje os indicadores econômicos e sociais da Suíça
ou da Dinamarca, seria próspero, culto e sem pobreza. Como a história
foi outra...
Presidentes, governadores, prefeitos, parlamentares e burocratas agem
assim de olho no financiamento de campanhas eleitorais e no
enriquecimento ilícito, por desleixo com a coisa pública ou mesmo por
pura incompetência. O caso das seis distribuidoras estaduais de energia
elétrica empurradas para a Eletrobrás perpassa por todas essas
motivações.
Situadas na Amazônia, onde a população pobre e a distância
demográfica desfavorecem a cobrança da conta de luz, elas já nasceram
deficitárias, mas seus prejuízos foram potencializados pelo sistemático
uso político de sucessivos governadores que delas extraíram dinheiro
para campanhas eleitorais, inflacionaram as folhas de salários com
apadrinhados e nomearam gestores de confiança para servir aos interesses
do governador, não para garantir à população um serviço público de
qualidade. Após a intervenção da Eletrobrás, a influência dos
governadores na sua gestão reduziu, mas não desapareceu e continua mais
forte do que se esperava.
As seis distribuidoras dos Estados do Amazonas, Rondônia, Acre,
Roraima, Piauí e Alagoas não pagam pela energia que compram das
geradoras da Eletrobrás nem repassam para a União as taxas cobradas nas
contas de luz dos consumidores (se uma empresa privada assim agir, o
governo federal decreta intervenção na hora, como fez com a Celpa, do
Pará). De janeiro a setembro de 2013, as dívidas das seis somavam R$ 938
milhões e, em 2012, acumularam prejuízo financeiro de R$ 1,33 bilhão
(33% maior que em 2011). Esses resultados se ampliam pelo acúmulo de
anos de más administrações.
A Aneel reconhece que elas só não faliram porque a Eletrobrás as
assumiu, mas assiste a tudo inerte. "Quando entra o governo e transfere
as empresas para a Eletrobrás, não cabe à Aneel opinar", justifica o
diretor-geral da agência, Romeu Rufino. Se assim for, a Petrobrás pode
inundar a Baía de Guanabara com óleo sem ser multada pela ANP. A
Eletrobrás até deseja, mas não consegue vender as empresas, seja por
pressão dos governadores sobre a presidente Dilma Rousseff, seja porque
só encontrarão compradores se nelas for injetada uma bolada de dinheiro
para sanear as dívidas.
No ano passado a estatal contratou o Santander para apresentar ao
governo federal os números da sangria e sugerir soluções. O estudo do
banco propôs a privatização total ou de 51% das ações e dimensionou em
R$ 1 bilhão a R$ 1,2 bilhão o valor de mercado das seis juntas. Mas elas
precisam de pelo menos R$ 3,5 bilhões em investimentos só para se
adequarem aos padrões de qualidade definidos pela Aneel, sem contar com
as dívidas e outros penduricalhos que antecedem uma privatização capaz
de atrair compradores.
A presidente Dilma está consciente da urgência de uma solução para o
problema, até porque as concessões das seis empresas vencem entre 2015 e
2017 e ela pode usar a antecipação da renovação das concessões por mais
30 anos como trunfo para atrair investidores privados e melhorar o
preço de venda das empresas. E o que fez Dilma? Adiou para 2015. Afinal,
se ela privatizar em ano eleitoral, corre o risco de perder aliados em
seis Estados e votos preciosos numa campanha eleitoral incerta. E ainda
enfrentar a gritaria de sindicatos que farão oposição à privatização. Ou
seja, como ocorre desde sempre, o oportunismo eleitoral prevalece sobre
o interesse público, as seis empresas seguem sugando dinheiro anos a
fio e a população banca pagando impostos.
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