Gérard Davet e Fabrice Lhomme - Le Monde
Reprodução/Le Figaro
O ex-presidente da França, Nicolas Sarkozy, em cena do documentário "Campagne Intime"
É um caso sem precedentes: um ex-presidente da República e dois de seus ex-ministros do Interior tiveram seus telefones grampeados. Gilbert Azibert, um dos mais altos magistrados franceses, é suspeito de passar informações discretamente a Nicolas Sarkozy sobre o caso Bettencourt, em troca de uma sinecura em Mônaco. O Supremo Tribunal, a mais alta instância do Judiciário, é acusada de parcialidade, e seus principais membros podem ser interrogados pelos policiais. Todos os ingredientes de um escândalo de Estado estão reunidos.
Durante meses os investigadores ficaram à espreita. Sarkozy se mostrou falante, mas ao mesmo tempo tomava suas precauções. Depois que ele deixou o Palácio do Eliseu, além de seu telefone de costume ele providenciou um outro celular, reservado às suas conversas mais comprometedoras, sobretudo com seu advogado, Thierry Herzog. Foi este que recomendou essas precauções a seu cliente.Em dezembro de 2013, várias conversas gravadas entre Hortefeux e o ex-chefe da polícia judiciária de Paris, Christian Flaesch, vazaram e foram obtidas pelo "Le Monde". Elas revelavam uma proximidade constrangedora entre o político e o investigador, levando ao afastamento do policial. O episódio preocupou os sarkozystas. O próprio Sarkozy passou a ser lacônico em seu telefone "oficial". Os juízes ficaram intrigados e acabaram descobrindo que o ex-chefe do Estado possuía um segundo celular, registrado com um nome falso. Então esse aparelho passou a ser monitorado, e as escutas revelaram conversas entre ele e um outro celular adquirido com uma identidade emprestada: era o celular comprado por Herzog para conversar em total confidencialidade com seu cliente.
Mas as conversas telefônicas entre Sarkozy e seu advogado Herzog, transcritas pelos investigadores, mostram que os dois estavam bem informados sobre o processo em andamento. E com razão. Gilbert Azibert, advogado-geral junto ao Supremo Tribunal, alocado em uma seção civil, é escolado em direito judiciário. Nicolas Sarkozy o recebeu pelo menos uma vez, quando foi nomeá-lo secretário-geral da chancelaria em 2008. E Thierry Herzog o conhece há muito tempo, sendo que seu apelido nos tribunais é "Annulator", por sua propensão a anular os processos dos juízes de instrução.
Embora não esteja diretamente ligado ao processo Bettencourt, uma vez que cuida de dossiês civis, Azibert tem acesso ao serviço intranet da alta jurisdição. Todos os pareceres ficam registrados ali, entre eles os trabalhos preparatórios para os debates. Ele sabe tudo sobre esse mundo discreto, e informa o círculo de Sarkozy sobre a evolução das tendências dentro do Supremo Tribunal, como provam as escutas. Dessa forma, ele teria afirmado a Herzog que o Tribunal de Justiça da República, parcialmente responsável pelo caso Tapie, havia feito pressão, através de sua presidente, para que a apreensão das agendas fosse validada. Essa suposta iniciativa praticamente não teve repercussão, pois o advogado-geral, Claude Mathon, avaliou durante os debates que a Justiça esteve errada em se recusar a anular a apreensão das agendas de Nicolas Sarkozy. Esse parecer deixou o círculo de Sarkozy plenamente satisfeito tendo em vista a decisão do dia 11 de março.
Herzog se abriu com Sarkozy pelo telefone, contando-lhe que Azibert adoraria receber uma ajudinha profissional. De fato, estando próximo da aposentadoria, este vinha postulando um cargo de conselheiro de Estado em Mônaco. Ele teria dito ao advogado que gostaria que o ex-chefe de Estado, com seu forte poder de influência, interviesse a seu favor. Informados sobre essas conversas em fevereiro, os juízes emitiram uma notificação à recém-criada promotoria nacional financeira. Esta abriu no dia 26 de fevereiro uma investigação preliminar por "violação do sigilo da instrução" e "tráfico de influência."
Foram designadas duas juízas, Patricia Simon e Claire Thépaut. A primeira acusação significa que as magistradas querem saber se e como Sarkozy foi informado de que ele era alvo de escutas telefônicas. A segunda, mais comprometedora, visa determinar se ele realmente tentou favorecer a carreira de Azibert. Tráfico de influência significa "abusar de sua influência real ou suposta com o intuito de conseguir de uma autoridade ou de uma administração pública privilégios, empregos, mercados ou qualquer outra decisão favorável". A expressão "com o intuito de" é essencial: é possível ser processado por essa acusação ainda que não se tenha obtido o serviço esperado, basta ter feito a proposta de forma ativa.
Mas os magistrados ficaram intrigados com uma estranha coincidência. Sarkozy passou a última semana de suas férias de fevereiro com a família, em Mônaco, no Hôtel de Paris, onde ele fazia um tratamento termal. Quem se juntou a ele durante a semana foi seu advogado, Herzog. Os juízes suspeitam que os dois tenham nessa ocasião procurado as autoridades monegascas para recompensar Azibert – algo que Herzog contesta veementemente. No dia 4 de março, como revelou a "L'Express", os magistrados passaram à ofensiva. Foi conduzida uma impressionante série de buscas, desde o começo da manhã. Vários juízes foram mobilizados, incluindo Serge Tournaire e Guillaume Daïeff, que estão investigando paralelamente o caso Tapie.
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