sábado, 29 de março de 2014

Legalizar drogas não é panaceia contra o crime. Ou: Quando alguns “libertários” mais parecem comunistas
Rodrigo Constantino - VEJA
Um amigo meu foi tomar chope com uma garotada “libertária” e saiu horrorizado. Disse-me que se sentiu em uma reunião do PSOL, PSTU ou PCO. O governo americano era a grande ameaça mundial, Israel era o capeta do Oriente Médio, a polícia era uma entidade “fascista”, e a solução para todos os nossos males estava na anarquia, no fim do estado.
Lembrei disso ao ler um texto de um desses “libertários” sobre o lamentável caso de Cláudia Silva Ferreira, que foi arrastada e morta por alguns policiais na favela onde morava. Fosse um caso isolado, não mereceria maior atenção. O problema é que vi alguns liberais mais velhos aplaudindo uma mensagem dessas, o que me deixou deveras preocupado.
O artigo em questão vende a ideia, de forma muito sensacionalista, de que a coisa mais normal do mundo é a polícia matar inocentes em favelas, basicamente pela cor de sua pele. O grande vilão seria a guerra contra as drogas, que daria legitimidade para a ação policial. É tudo muito absurdo, e já chego lá. Antes, alguns comentários.
A guerra contra as drogas pode ser criticada ou mesmo totalmente condenada, claro. Muitos – se não quase todos – os liberais pensam assim. É legítimo concluir que essa repressão não é o melhor meio para se resolver a questão das drogas. O que não deve ser feito, de maneira alguma, é se afirmar simplesmente que a guerra contra as drogas fracassou, porque ainda temos viciados e crimes ligados a essa mesma guerra.
Ora, a guerra contra todo crime, pela mesma lógica, teria igualmente fracassado. A “guerra contra o seqüestro” fracassou, assim como a “guerra contra o assalto”. O que uma pessoa séria deve fazer é pesar prós e contras, analisar a possível alternativa, sempre, como nos ensinou Thomas Sowell e tantos outros, reconhecendo que não há solução definitiva para o problema, não há mágica, apenas “trade-offs”, ou aquilo que não se vê (Bastiat).
Após tudo isso, é claro que o liberal pode continuar com sua opinião de que, mesmo do ponto de vista apenas utilitarista, sem falar da questão dos direitos individuais de consumir o que quiser, a guerra contra as drogas não tem saldo positivo e deveria dar lugar a uma estratégia diferente. Eu já fui dessa opinião, e hoje tenho muito mais dúvidas e ressalvas.
Mas isso é algo bem diferente de vender ilusões, uma panaceia de que basta legalizar todas as drogas que tudo será um maravilhoso mundo pacífico, habitado por trocas apenas voluntárias e sem truculência policial ou sem sequer a necessidade de a polícia subir morros. Isso é, além de ingênuo e bobo, desonesto. E foi o que esse “libertário” em questão fez, apelando logo na abertura para a cartada racial, típica da esquerda:
O crime de Cláudia Silva Ferreira, no último dia 16, foi morar no lugar errado e ter a cor de pele errada. Saía para comprar R$ 3 de pão e R$ 3 de mortadela com um copo de café à mão. Os policiais acharam por bem não arriscar. Nunca se sabe quão letal pode ser um copo de café na mão de uma mulher negra, pobre e moradora da periferia. Deram dois tiros na faxineira, que já a deixaram estendida no chão, tórax perfurado. Foi carregada até a viatura policial na qual seria levada para o hospital. Os bancos traseiros estavam cheios de armamentos, então não podiam receber um corpo ferido – a polícia deve ter prioridades. Foi colocada no porta-malas, que abriu no trajeto. Seu corpo ficou preso no para-choque e foi arrastada por cerca de 350 metros pelo asfalto até ser empurrada de volta para dentro do carro. Ela morreu.
Por que mencionar a cor da vítima? Qual a relevância disso? Por acaso ela foi morta por ser negra? Alguém está mesmo disposto a bancar essa tese esdrúxula? Talvez os oportunistas de esquerda que defendem as cotas raciais. Mas um libertário? Ou alguém que se diz libertário? Por essas e outras uso muitas vezes o termo entre aspas, para deixar claro que certos “libertários” estão mais distantes do liberalismo clássico do que Plutão da Terra. Mas o show de horrores continua:
Se não existissem as drogas, a Polícia Militar não teria sido obrigada a subir o morro, não teria se deparado com a imagem ameaçadora e violenta de uma mulher negra de 38 anos com um copo de café nas mãos, não teria sido obrigada a disparar dois tiros em sua direção, nem tido o incômodo de carregar um corpo para dentro de uma viatura para ser conduzido ao hospital. Mas as drogas continuam destruindo famílias. A própria Cláudia criava 8 crianças em sua casa, 4 filhos e 4 sobrinhos. Por causa das drogas, sua família foi desfigurada.
Como é que é? Quer dizer que a polícia sobe o morro só porque o tráfico de drogas é ilegal? Não há outros crimes nas favelas? Se as drogas fossem legalizadas os atuais traficantes iriam virar empresários honestos e as favelas seriam mais seguras que o Leblon? A polícia nunca mais teria de subir nas comunidades da periferia? É sério que o rapaz disse isso e foi aplaudido por liberais? Entendem agora por que fico preocupado? E chegamos no cerne da questão:
Dados esses fatos, fica claro que uma desmilitarização debilitaria demais a força da polícia, impossibilitando qualquer tipo de combate ao crime. Se queremos que alguém suba nos morros para apreender malotes de cocaína e maconha, temos que ter soldados. 
Mas será que é mesmo isso que queremos?
Porque soa bem na propaganda eleitoral dizer que o policiamento nas favelas aumentou e que o combate as drogas foi intensificado. Mas o que isso significa de fato é que centenas de Cláudias Silvas Ferreiras vão continuar a morrer. Porque o único jeito de manter o asfalto seguro e ilusoriamente sem drogas é baleando gente inocente no morro.
O autor reconhece que desmilitarizar a polícia iria debilitar demais sua força, mas depois defende… justamente isso! Afinal, ele parece crer que o único crime que existe é o tráfico de drogas, que não deveria ser crime. Acabando com ele, não há mais necessidade de polícia forte, militarizada. Discurso do PSOL na veia!
Alguns sensacionalistas chegaram a afirmar que a polícia age de forma diferente nas favelas e no Leblon. Sério mesmo? Eu poderia jurar que isso tem algo a ver com o fato de que, no Leblon, ela não chega sob tiros de fuzis e constante ameaça de bandidos altamente armados. Por acaso isso mudaria sem as drogas ilegais? Se os bandidos controlam até a venda de produtos legais nas favelas, ora bolas!
O que esses “libertários” pregam de fato? Devemos abolir o “caveirão”? A polícia não deve mais subir morros? Acho que alguém já defendeu isso no passado. Deixe-me ver… sim! Foi o Brizola! Como homenagem, os traficantes colocaram seu nome na cocaína por eles vendida. Homenagem justa. Alguns “libertários” devem ver esses traficantes como verdadeiros heróis em luta contra o estado malvado… 
E agora vem o ataque final à própria instituição policial, ligada a essa outra instituição que deve ser totalmente abolida segundo esses “libertários: o estado. Diz o autor: 
Continuar a pensar que a brutalidade policial é uma exceção não vai nos levar a lugar nenhum. A violência da polícia brasileira é institucionalizada e necessária para as políticas do governo. Não é possível controlar o comércio de drogas sem o uso brutal da força por parte da polícia. Ao mesmo tempo, a luta contra o tráfico é necessária para manter a legitimidade do estado, que deve sempre se empenhar no combate ao “crime”. Com as atuais políticas de drogas, não há nenhuma possibilidade de acabar com a violência policial, porque sem ela o estado não conseguiria afirmar sua força.
Pausa para respirar fundo. É muito absurdo! Primeiro: sabemos que muitos policiais abusam do poder, e em ambientes tensos, em verdadeiras guerras urbanas (que, repito, existiriam mesmo sem as drogas proibidas), isso pode sair do controle. Mas daí a afirmar que essa é a regra, não a exceção… vai uma longa distância.
O rapaz, como seus colegas “libertários” e pelo visto alguns liberais, precisam lembrar que temos 50 mil homicídios por ano no Brasil. Por acaso é tudo ligado à guerra contra as drogas? Por acaso são os policiais que praticam tais assassinatos? Ou são eles que lutam bravamente, colocando a vida em risco por um baixo salário, para impedir ainda mais mortes a inocentes, para proteger inclusive o “libertário” rebelde?
Outro detalhe que os “libertários” sempre ignoram convenientemente: praticamente todos os países do mundo proíbem drogas, especialmente as mais pesadas (e quem diria que legalizar só a maconha resolveria alguma coisa?), e nem por isso vivem em uma guerra civil dominada pelo tráfico.
Será que a polícia na Suíça precisa da “guerra contra as drogas” para legitimar sua “brutalidade” toda? Será que a polícia canadense parte para a truculência por prazer e usa a “guerra contra as drogas” para dar um verniz de legitimidade a isso?
Enfim, tudo isso poderia ser apenas um episódio menor a ser ignorado, não fosse o fato de que um texto absurdo desses fala em nome de muitos “libertários”, que mais parecem jovens saídos diretamente de uma reunião do PSTU ou do PSOL. De “libertários” assim, o movimento liberal não precisa mesmo!

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