Lula queixa-se de quê?
João Mellão Neto* - O Estado de S.Paulo
Tive algumas poucas oportunidades de conhecer o Lula em
pessoa, todas elas na década de 1970. Naquela ocasião houve eleições
para o Senado - a de governadores ainda estava proibida - e para a
Câmara dos Deputados e as Assembleias Legislativas (deputados federais e
estaduais). Ainda estudante, decidi apoiar Fernando Henrique Cardoso,
que, de longe, era o candidato ao Senado mais respeitável. O problema
que existia dizia respeito à "popularidade" do meu candidato. Na época
praticamente ninguém o conhecia. Nós mesmos, que o apoiávamos, o
alcunhamos de "Fernando quem?". Pois bem, tivemos de engolir a nossa
língua: poucos anos depois ele seria eleito presidente da República. Um
excelente presidente, aliás.
Mas o tema deste artigo não é Fernando Henrique, e sim seu sucessor, o
Lula. Espero que ele o leia, apesar de sua aversão à leitura.
Lula é um vitorioso em muitos sentidos. Só que há uma coisa que eu
não entendo nele: quase todas as teses que defende se chocam
frontalmente com a sua história. Por vezes ele combate a
livre-iniciativa, rechaça o capital estrangeiro, vê com má vontade a
nossa realidade fundiária e afirma que o Brasil, do jeito que é, não tem
a menor viabilidade. Eu lanço os olhos ao seu passado e,
paradoxalmente, a leitura que faço é exatamente a contrária.
Quando Lula nasceu, em 1945, todas as mazelas que atualmente ele
atribui ao Brasil não existiam. A expectativa de vida ao nascer, lá, em
Pernambuco, era de 35 anos e os poucos que sobreviviam ficavam
raquíticos ou idiotizados. Lá, em Caetés, não havia capitães de
indústria inescrupulosos e muito menos multinacionais para sangrar as
veias dos trabalhadores. No sertão, ninguém discutia luta de classes,
até porque lá nem havia classes, não havia socialismo pela falta de seu
contraponto, o capitalismo e o nacionalismo eram desnecessários porque
aquele fim de mundo, com a sua exuberante miséria, não despertava a
cobiça de nenhuma empresa estrangeira.
Naquelas bandas, com exceção de dois ou três coronéis, o ideal de
igualdade era exercido em toda a sua plenitude: todos eram igualmente
pobres, identicamente desnutridos e homogeneamente desesperançados. Mas
foi ali, no santuário ideológico de Caetés, que Luiz Inácio da Silva
venceu a sua primeira prova: mudou-se com a família para São Paulo.
Aqui ingressou no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(Senai). A partir do momento em que conquistou seu primeiro diploma, sua
vida começou a mudar: passou a trajar-se melhor, adquiriu sua casa e
seu primeiro automóvel. Paralelamente, foi conseguindo prestígio na
carreira de sindicalista, até se consagrar como o presidente do poderoso
Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Em 1980
foi fundado o Partido dos Trabalhadores (PT) e ele era o candidato
natural para presidi-lo.
A nota dissonante, nessa trajetória de vitórias, está nas opiniões
amargas que Lula emite sobre o Brasil após a retumbante carreira que
fez. E olhem que ele se elegeu presidente da República por duas vezes,
carregou um poste (as palavras são dele mesmo) para lhe suceder e,
agora, ameaça carregá-lo de novo caso a reeleição da sucessora corra
algum risco.
O governo de sua sucessora tem-se mostrado abaixo da crítica, com
políticas econômicas erráticas, o Brasil crescendo menos do que qualquer
outro país na América Latina. Mesmo assim, eles continuam fortes e
inabaláveis nas pesquisas de opinião. Alguma explicação para esse
fenômeno? A única que me ocorre é a seguinte: crédito abundante e barato
para os muito ricos, Bolsa Família para os muito pobres e nada para os
setores de renda média. Afinal, o Tesouro Nacional não é a casa da mãe
Joana...
A esse tipo pernicioso de política se dá o nome de populismo. Algo
que devasta o nosso continente a cada 10 ou 15 anos. E demanda muito
tempo para ir embora. Os populistas hoje dominam a Bolívia, a Venezuela,
a Argentina, o Equador e ameaçam tomar o poder em numerosas nações da
América Central. Em Cuba, a versão castrista já está no poder há 55
anos. E comportam-se todos como certos cães de pequeno porte: quanto
menores são, mais rosnam e latem.
É uma tarefa árdua livrar-se deles, até porque sempre têm um discurso
muito bem concatenado, que se inicia por um passado no qual seus países
teriam sido cruelmente explorados e se estende até os dias atuais, em
que continuariam a ser cruelmente explorados. A exploração sempre
permanece, o que teria mudado são os exploradores. No passado eles eram
vítimas dos espanhóis, hoje são vítimas dos Estados Unidos. E existem
até os que se queixam de não serem vítimas de ninguém, como é o caso de
Cuba em relação aos norte-americanos.
O fato é que todos têm de quem se queixar. É o caso, então, de
perguntar: se é tudo tão difícil para eles, e levando em conta que a
natureza sempre lhes foi pródiga, por que não se uniram aos
norte-americanos para explorar o que têm de melhor, ou seja, a própria
natureza? Mas não se deve fazer esse tipo de pergunta a eles, sob o
risco de receber de volta um sonoro palavrão. É pena, mas eles preferem
viver assim, cercados por uma exuberante floresta, mas todos perto de
passar fome. E continuar a se queixar da insensibilidade dos "gringos",
porque é isso que os mantém no poder.
Voltando ao Lula, havemos de convir que ele inovou no estilo. Ao
menos não ficou se lamuriando, como tantos fizeram. Ao contrário,
travestiu-se de "Brasil potência" e passou a vender uma imagem da Nação
muito maior do que seus potenciais. Se, de um lado, isso restaurou a
autoestima do povo, de outro, criou uma expectativa que jamais poderá
ser satisfeita a contento.
Mas nada disso tem importância. O que vale é o enredo vitimista. E disso eles sabem cuidar de cor.
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