Não culpem o tomate nem o petróleo
ROLF KUNTZ - O Estado de S.Paulo
Parem de caluniar o petróleo e o tomate. Nem o tomate
foi culpado pela inflação, no ano passado, nem o petróleo é o vilão da
balança comercial, como andaram dizendo nos últimos dias. Se os preços
no varejo continuam subindo muito mais que no resto do mundo, é porque
há desequilíbrios graves na economia brasileira, como tem havido há
muitos anos. E o comércio exterior vai mal porque a atividade interna
também vai mal, com custos altos e crescentes, produtividade baixa,
indústria emperrada e governo incompetente. Se as importações de
combustíveis e lubrificantes consumiram em fevereiro US$ 3,59 bilhões,
7,9% mais que um ano antes, foi principalmente porque a produção
nacional tem sido insuficiente para acompanhar a demanda.
Em janeiro a produção interna de petróleo e líquido de gás natural
(LGN) foi 2,4% menor que em dezembro - apenas a continuação de uma longa
queda. O volume produzido caiu de 2,02 milhões de barris/dia em 2011
para 1,98 milhão em 2012 e 1,93 milhão no ano passado. Em contrapartida,
a extração de água, em algumas áreas, passou a igualar a de petróleo.
Desde a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a
interferência do governo central na condução dos negócios da Petrobrás
levou a empresa a investimentos errados no Brasil e no exterior,
distorceu prioridades, afetou a geração de caixa, aumentou seu
endividamento e derrubou seu valor de mercado. A perda de produção e a
maior dependência da importação de derivados foram desdobramentos dessa
história de irresponsabilidades. A maior empresa brasileira foi
subordinada às ambições políticas do grupo governante, usada para uma
diplomacia contrária a seus interesses e convertida em instrumento de
uma política industrial anacrônica.
Mas a decadência empresarial da Petrobrás explica só em parte o mau
desempenho comercial do Brasil. A cena fica mais clara quando se
consideram os números do primeiro bimestre. Em janeiro e fevereiro as
exportações somaram US$ 31,96 bilhões, valor 1,4% maior que o de um ano
antes. Mas a variação se torna negativa - queda de 3,4% - quando se
comparam as médias dos dias úteis (42 em 2013 e 40 em 2014). No caso das
importações, a comparação entre os valores absolutos indica um aumento
de 3,6%. Quando se confrontam as médias dos dias úteis, o resultado é
uma queda de 1,4%, bem menor que a das vendas ao exterior. Em 12 meses,
pelo mesmo critério, a receita diminuiu 0,9% e a despesa aumentou 4,4%.
O déficit comercial de US$ 6,18 bilhões no primeiro bimestre é um
retrato de um País com graves desarranjos. A receita obtida com a venda
de produtos básicos aumentou de US$ 13,6 bilhões para R$ 14,06 bilhões,
mas o valor médio diário diminuiu 1,5%. Considerando-se a evolução dos
preços, foi um bom resultado. Ruins, mesmo, foram as vendas de produtos
da indústria.
A receita dos manufaturados caiu 5,6%. A de semimanufaturados
diminuiu 7,2%. O problema da competitividade continua muito grave. Além
disso, o País sofre os efeitos da crise na Argentina, seu maior parceiro
na América Latina e um dos principais mercados para a indústria
brasileira. Em janeiro e fevereiro as vendas para o mercado argentino,
US$ 2,37 bilhões, foram 16% menores que as do primeiro bimestre de 2013.
O melhor resultado foi o das vendas para a China. A receita de US$
5,02 bilhões nos dois primeiros meses foi 25,5% maior que a de um ano
antes. As exportações para os Estados Unidos também avançaram bem e
renderam US$ 3,96 bilhões, 7,4% mais que em janeiro e fevereiro do ano
passado. Mesmo com alguma desaceleração, o mercado chinês continua
absorvendo enormes volumes de matérias-primas e de bens intermediários.
Mas o comércio com os Estados Unidos tem uma composição muito mais
equilibrada, porque o mercado americano absorve boa parte das
exportações brasileiras de manufaturados. Em janeiro, último mês com
números detalhados até esse nível, apenas 4,5% das vendas brasileiras à
China foram de manufaturados. O total dos industrializados (com inclusão
dos semimanufaturados) chegou a 25,78%. Quase metade das exportações
para os Estados Unidos (45%) foi de manufaturados. Os industrializados
corresponderam a 66,23%.
O Império, portanto, é um bom cliente da indústria brasileira,
enquanto o grande emergente, eleito como parceiro estratégico pela
diplomacia brasiliense, mantém com o Brasil um comércio de tipo
colonial.
Não há nenhum mal em exportar grandes volumes de commodities. Algumas
das potências mais desenvolvidas, como Estados Unidos e Canadá, também
são grandes vendedoras de matérias-primas e bens intermediários. A
grande besteira cometida pelas autoridades brasilienses, a partir de
2003, foi desprezar os acordos comerciais com os mercados mais
desenvolvidos, dar prioridade ao chamado comércio Sul-Sul e deixar
esboroar-se o poder de competição da indústria nacional. O agronegócio
ainda se mantém competitivo, mas até quando? A tentativa de ressuscitar
políticas industriais talhadas segundo o modelo dos anos 50 e 60
produziu o efeito esperado pelas pessoas sensatas e menos provincianas. O
fracasso era tão previsível quanto os efeitos da tolerância à inflação.
A esperança de resultados melhores com a depreciação do câmbio e a
reativação do mercado global é igualmente enganadora. O câmbio é a menor
parte do problema, como já mostraram os números do ano passado, e um
mercado mundial mais favorável será aproveitado principalmente pelos
produtores mais eficientes. Isso é óbvio, exceto para o governo
brasileiro e, curiosamente, para uma parcela dos empresários da
indústria. Mas essa parcela tem diminuído, como indicam as boas análises
publicadas por algumas entidades do setor, como o Instituto de Estudos
do Desenvolvimento Industrial (Iedi).
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