O risco de descuidar da inflação
O Estado de S.Paulo
Com a inflação ainda resistente e longe da meta de 4,5%,
o Banco Central (BC) entrará num jogo perigoso se afrouxar a política
anti-inflacionária, nos próximos meses, para esperar os efeitos das
medidas já em vigor. O primeiro sinal tangível de afrouxamento surgiu na
semana passada, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu o
ritmo de alta da taxa básica de juros. A taxa passou de 10,5% para
10,75%. A elevação havia sido de 0,5 ponto em cada uma das seis mudanças
anteriores. Quem esperava encontrar uma boa e clara justificativa na
ata da reunião, divulgada na quinta-feira, ficou decepcionado. Segundo
analistas do mercado financeiro, o texto indica duas possibilidades
principais: ou o ciclo de alta já terminou ou haverá, no máximo, mais um
aumento de 0,25 ponto em abril. Qualquer das duas hipóteses poderá ser
confirmada e qualquer palpite, neste momento, será especulativo. Certo,
mesmo, só um ponto: nenhuma projeção incluída no documento justifica um
esforço menor no combate à alta de preços.
A inflação, segundo as projeções do próprio BC, continuará acima da
meta neste e no próximo ano. A estimativa para 2014 considerada em
janeiro foi mantida na reunião da semana passada. Nenhuma melhora
significativa, portanto, no cenário básico. Para 2015 está previsto um
declínio, mas o número final ainda será superior a 4,5%. As projeções do
mercado, também citadas, desautorizam qualquer otimismo. Desde janeiro,
a inflação prevista para este ano foi mantida em 6%, enquanto a taxa
estimada para o próximo ano subiu de 5,5% para 5,7%. Alguns parágrafos
adiante, um detalhe nada tranquilizador: apesar de alguma redução da
alta mensal de preços, a resistência da inflação "tem-se mostrado
ligeiramente acima" da esperada.
Se esse é o caso, como justificar a mudança no ritmo do aperto
monetário? O cenário fica mais estranho quando se consideram algumas
hipóteses mencionadas na ata: nenhum aumento dos preços da gasolina, do
gás de bujão e da telefonia fixa; aumento de 7,5% para a tarifa
residencial de eletricidade; elevação de 4,5% para o conjunto dos preços
administrados por contrato e monitorados. Se essas premissas estiverem
corretas, os preços da Petrobrás - entre outros - permanecerão
arrochados e o governo continuará administrando e maquiando os índices
de inflação.
A ata contém previsões vagamente otimistas para o conjunto da
economia. A expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014 será
parecida com a do ano passado (2,3%). Não se manterá, portanto, o ritmo
de 0,7% registrado no trimestre final de 2013 e equivalente, em termos
anuais, a uma taxa de 2,8%. De toda forma, os técnicos do BC mantêm uma
projeção melhor que a do mercado, de 1,7%. A previsão mais otimista, no
entanto, refere-se à composição do crescimento: o consumo terá menos
peso e aumentará a participação do investimento e da exportação. No caso
da exportação, o otimismo é associado à expectativa de um câmbio mais
desvalorizado e de um cenário externo mais favorável.
Mas essas apostas ainda são muito inseguras. Por enquanto, o cenário
ainda é de desajuste entre a demanda, puxada principalmente pelo
consumo, e a oferta interna. Esse descompasso tende a diminuir, segundo a
ata, mas em nenhum momento se informa quando o cenário ficará
razoavelmente equilibrado. Ao contrário: a demanda total continuará
robusta, segundo afirmam. O consumo será sustentado pelo crédito e pelo
aumento da renda e o investimento será dinamizado pelos financiamentos,
pela concessão de serviços públicos e pela ampliação das áreas de
exploração de petróleo.
Mas também os eventos no "âmbito parafiscal" serão considerados na
formulação da política monetária. "Âmbito parafiscal" é um nome
complicado para as operações dos bancos oficiais alimentados pelo
Tesouro. Além disso, a ata menciona, de novo, os desequilíbrios no
mercado de trabalho e o efeito inflacionário dos aumentos salariais
superiores aos ganhos de produtividade. A própria ata fornece, portanto,
argumentos poderosos contra um afrouxamento da política. Argumentos a
favor, mas fora do texto, só os de natureza eleitoral.
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