Os habitantes de Veneza votaram para se separar da Itália - o que isso significa para a Europa?
Ryan McMaken/Patrick Buchanan e Hans-Hermann Hoppe - IMB
Com
89% dos votos a favor, os cidadãos de Veneza decidiriam em um referendo se
separar da Itália (veja a notícia em italiano,
em inglês
e em português).
Na
prática, o que isso realmente significa é que os venezianos não mais estão a
fim de serem obrigados a pagar impostos para sustentar Roma. Aparentemente, os venezianos — que residem
naquela que foi a histórica capital de uma das mais
ricas e mais bem-sucedidas repúblicas da história da humanidade — não
querem mais subsidiar os notoriamente corruptos burocratas de Roma.
O
sul da Itália sempre foi considerado pelos habitantes do norte — que é mais
rico, mais limpo e mais eficiente — como um sorvedouro de recursos. Os habitantes do norte trabalham para
sustentar, via impostos, o dolce far
niente dos habitantes do sul. De
acordo com a reportagem
do jornal The Daily Mail, já há
movimentações para estender o movimento secessionista para outras áreas do
norte da Itália.
Um
dos organizadores do movimento secessionista é seguidor das ideias de
Hans-Hermann Hoppe:
O ativista Paolo Bernardini, professor de
história europeia da Universidade de Insubria, em Como, no norte da Itália, disse
que 'já era hora' de Veneza voltar a ser um estado autônomo.
'Embora a história jamais se repita, estamos
hoje vivenciando um forte retorno ao arranjo de pequenas nações, de países
pequenos e prósperos, capazes de interagir entre si em um mundo globalizado.''O povo veneziano percebeu que somos uma
nação digna de autonomia e que não mais deve ser abertamente oprimida por uma
burocracia longínqua. Todo o mundo está
se movendo em direção à fragmentação; trata-se de uma fragmentação positiva, em
que as tradições locais se misturam às trocas comerciais globais'.
Luca
Zaia, membro da separatista Liga do Norte, exultou: "O desejo e o clamor pela
secessão estão crescendo de forma muito robusta. Estamos apenas no Big Bang do movimento
separatista — mas revoluções são originadas de fome, e estamos muito
famintos. Veneza pode agora se libertar."
A
nova Repubblica Veneta seria formada por cinco milhões de habitantes da
região de Veneto. Caso a secessão de
Veneza realmente aconteça, a região da Lombadia e a província de Trento
provavelmente farão o mesmo, gerando uma profunda partição da Itália.
Naturalmente,
as grandes nações-estado da Europa odeiam — e estão apavoradas com —
ocorrências como essa. Porém, como bem
sabe qualquer um que conheça minimamente a história da Europa, não há
praticamente nenhuma "tradição" no atual formato das fronteiras europeias. Logo, os burocratas das grandes nações
simplesmente não têm argumentos para dizer que as "tradições" devem ser
mantidas. O atual formato da Itália foi
desenhado por políticos, assim como o da Alemanha, que foi moldada à força por
políticos autoritários como Otto von Bismarck, que obviamente odiava o
liberalismo clássico e o capitalismo com todas as fibras do seu ser.
A Europa em polvorosa
Os
movimentos secessionistas estão se espalhando por toda a Europa.
A
ilha de Sardenha também quer se
separar da Itália e se tornar uma nova Suíça.
Ao
prepararem seu referendo, os venezianos foram à Escócia para observar todos os
preparativos que estão sendo feitos pelo Partido Nacional da Escócia para o referendo
que irá ocorrer no dia 18 de setembro deste ano. A intenção dos escoceses é abolir o Tratado de
União de 1707, e com isso se separar
em definitivo da Inglaterra.
Também
observando os preparativos da Escócia estavam representantes da Catalunha, que
irão fazer um referendo similar no segundo semestre para se separar
da Espanha. Secessionistas do País Basco também estavam
presentes na Escócia.
Em
um relatório publicado recentemente intitulado de "A
Europa sob julgamento", uma pesquisa feita com 20.000 britânicos descobriu
que a Rússia (antes da crise com Kiev e da anexação da Criméia) era vista mais
positivamente do que a União Europeia e o Parlamento Europeu.
Por
uma diferença de 49 a 31, os cidadãos da Grã-Bretanha acreditam que os custos
da filiação à União Europeia sobrepujam os benefícios, e estão igualmente
divididos, 41-41, sobre se devem ou não sair totalmente da União Europeia.
O
primeiro-ministro britânico David Cameron já marcou para 2017 um referendo
sobre a continuidade da filiação à União Europeia. Ao que tudo indica, o Partido Trabalhista
britânico — até então o mais favorável à manutenção da união —, percebendo a
impopularidade de UE, também parece mais aberto a alterar o tratado da UE e a
fazer um referendo para se despedir da Europa caso voltem ao poder em 2015.
Por
que a UE está sob esta crescente pressão centrífuga? Por que várias nações da Europa estão no
limiar da secessão?
Não
há uma explicação única ou simples.
Veneza
e todo o norte da Itália se sentem explorados.
"Por que temos de subsidiar um sul que é menos trabalhador e mais
preguiçoso, e que consome os impostos que geramos aqui?", perguntam eles. Vários italianos do norte acreditam terem
muito mais em comum com os suíços do que com os romanos, napolitanos e
sicilianos.
Na
Bélgica, a região de Flandres pensa o mesmo sobre os valões.
Escoceses
e catalães acreditam ter uma cultura, uma história e uma identidade totalmente
distinta das nações às quais pertencem.
Por
toda a Europa, há também um temor de que o caráter étnico de seus países esteja
sendo alterado permanentemente, e contra a vontade de sua população. Búlgaros, romenos e ciganos chegam em levas
do Leste Europeu, buscando asilo e refúgio econômico no lado ocidental. Migrantes desembarcam aos milhares anualmente
na ilha italiana de Lampedusa e nas Canárias espanholas. Recentemente, o The New York Times relatou um surto de 80.000 migrantes africanos
buscando refúgio nos pequenos enclaves espanhóis de Ceuta e Melilha na costa
do Marrocos.
O
objetivo dessas pessoas desesperadas?
Usufruir o rico estado assistencialista oferecidos pelos países do Velho
Continente. Pessoas reagem a incentivos
e, se há o estímulo do assistencialismo, é impossível conter o desejo delas. A culpa não é dos imigrantes,
que compreensivelmente querem melhorar de vida, mas sim do generoso estado
assistencialista, que utiliza os impostos incidentes sobre a população que
trabalha para bancar os privilégios de quem não trabalha. E os gastos dessa "caridade" não param de
crescer.
Obviamente,
aqueles que sustentam tudo isso já estão previsivelmente fartos, e buscam na
secessão uma maneira de preservar suas riquezas.
Os
filhos da Europa estão hoje se rebelando contra as consequências daquilo que
seus pais, paralisados pelo temor do politicamente correto, se recusaram a
atacar.
Era
previsível, foi previsto, e vai acontecer.
O futuro
No
caso específico de Veneza, será interessante ver o que Roma irá fazer. Será que seus burocratas mandarão um exército
para coletar seus impostos? Talvez irão
apenas fazer uma guerra cultural e recorrer a algum tipo de campanha de ódio
contra os venezianos, apelando a um suposto patriotismo italiano. Essas coisas quase sempre funcionam.
Dado
que Obama recentemente declarou que todos os movimentos de secessão são
ilegítimos (exceto aqueles apoiados pelo governo americano, é claro), ainda não
dá para prever qual será o apoio que Veneza pode esperar da comunidade
internacional.
Em
uma entrevista concedida em 2004, Hans-Hermann Hoppe falou sobre as vantagens de
um arranjo formado por países pequenos e independentes:
Ao contrário, a maior esperança para a
liberdade vem justamente dos países pequenos: Mônaco, Andorra, Liechtenstein, e
até mesmo Suíça, Hong Kong, Cingapura, Bermuda etc. Quem preza a
liberdade deveria torcer e fazer de tudo pelo surgimento de dezenas de milhares
destas entidades pequenas e independentes. Por que não uma Istambul e uma
Esmirna livres e independentes, que mantêm relações cordiais com o governo
central da Turquia, mas que não têm de pagar impostos e nem receber repasses, e
que não mais reconhecem as leis impostas pelo governo central, pois têm as suas
próprias?
Os apologistas de um estado forte e
centralizado alegam que tal proliferação de unidades políticas independentes
levaria à desintegração econômica e ao empobrecimento. No entanto, não
apenas a evidência empírica contradiz esta alegação — todos os pequenos países
citados acima são mais ricos que seus vizinhos —, como também uma reflexão
teórica mostra que tal alegação não passa de mais um mito estatista.
Governos pequenos possuem vários
concorrentes geograficamente próximos. Se um governo passar a tributar e
a regulamentar mais do que seus concorrentes, a população emigrará, e o país
sofrerá uma fuga de capital e mão-de-obra. O governo ficará sem recursos
e será forçado a revogar suas políticas confiscatórias. Quanto menor o
país, maior a pressão para que ele adote um genuíno livre comércio e maior será
a oposição a medidas protecionistas. Toda e qualquer interferência
governamental sobre o comércio exterior leva a um empobrecimento relativo,
tanto no país quanto no exterior.
Porém, quanto menor um território e seu
mercado interno, mais dramático será esse efeito. Se os EUA adotarem um
protecionismo mais forte, o padrão de vida médio dos americanos cairá, mas
ninguém passará fome. Já se uma pequena cidade, como Mônaco, fizesse o
mesmo, haveria uma quase que imediata inanição generalizada.
Imagine uma casa de família como sendo a
menor unidade secessionista concebível.
Ao praticar um livre comércio irrestrito, até mesmo o menor dos
territórios pode se integrar completamente ao mercado mundial e desfrutar todas
as vantagens oferecidas pela divisão do trabalho. Com efeito, seus proprietários podem se
tornar os mais ricos da terra. Por outro
lado, se a mesma família decidir se abster de todo o comércio
inter-territorial, o resultado será a pobreza abjeta ou até mesmo a morte. Consequentemente, quanto menor for o
território e seu mercado interno, maior a probabilidade de sua adesão ao livre
comércio.
Por fim, irei apenas mencionar, mas sem no
entanto adentrar em detalhes explicativos por pura falta de espaço, que a
secessão também promoveria uma integração monetária e levaria à substituição do
atual sistema monetário baseado em moedas fiduciárias nacionais — que flutuam
entre si e se desvalorizam diariamente — por um padrão monetário baseado em
uma commodity totalmente fora do controle dos governos. Em suma, o mundo
seria formado por pequenos governos liberais e seria economicamente integrado
por meio do livre comércio e por uma moeda-commodity internacional, como o
ouro. Seria um mundo de prosperidade, crescimento econômico e avanços
culturais sem precedentes.
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