Decreto agride democracia representativa
É no Congresso que se
criam mecanismos de participação da sociedade em decisões de governo.
Criar esses instrumentos na base da canetada é golpe de gabinete
O Globo
A democracia
representativa, com a escolha dos representantes da sociedade pelo voto
direto, bem como a independência entre os Poderes, é alvo prioritário do
autoritarismo político. A desmontagem do regime representativo costuma
começar pela criação de mecanismos de “democracia direta”, para reduzir o
peso do Congresso na condução do país.
É por este ângulo que
deve ser analisado o surpreendente decreto nº 8.243, baixado na
sexta-feira da semana passada pela presidente Dilma, para criar a
“Política Nacional de Participação Social — PNPS". O objetivo é subtrair
espaço do Legislativo por meio de comissões, conselhos, ouvidorias,
“mesas de diálogo”, conferências nacionais, várias novas instâncias a
serem criadas junto à administração direta e até estatais, sempre em
nome da participação social. Sintomático que a PNPS esteja subordinada
ao ministro secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho,
representante dos ditos “movimentos sociais” no Planalto. Há várias
surpresas no ousado ato. A primeira, rever o regime de democracia
representativa por decreto.
Mecanismos de participação do cidadão
em decisões de governo são um tema em debate no mundo, para se
aperfeiçoar a democracia representativa. Plebiscitos e referendos têm
sido usados com frequência em democracias maduras como a americana. Os
próprios avanços tecnológicos no mundo digital são ferramenta importante
para aproximar a sociedade do Estado. Mas não se avança nesta direção
por decreto, algo como um golpe de Estado na base da canetada.
Outra
surpresa, até pela ousadia, é que o decreto formaliza em lei a
estratégia antiga de aparelhamento da máquina pública por aliados
político-ideológicos do PT. Pois não é difícil imaginar os critérios
pelos quais serão escolhidos os representantes da “sociedade civil” para
participar de comissões, fóruns, mesas etc. Um dos resultados desta
infiltração de partidos e grupos no Estado tem sido, cabe lembrar, casos
de corrupção e desmandos, como os denunciados na Petrobras.
O
sentido autoritário do decreto denuncia sua origem. Ele sai dos mesmos
laboratórios petistas que engendraram a "assembleia constituinte
exclusiva" a fim de fazer a reforma política — atalho para se mudar a
Constituição ao bel-prazer de minorias militantes —, surge das mesmas
cabeças que tentaram controlar o conteúdo da produção audiovisual do
país via Ancinav, bem como patrulhar os jornalistas profissionais por
meio de um conselho paraestatal. Tem a mesma origem dos idealizadores da
“regulação da mídia”.
Além de tudo, a PNPS tornará ainda mais
impenetrável a burocracia pública, já uma enorme barreira à retomada de
investimentos. Ou seja, também na economia, o decreto vai na contramão
de tudo o que o país necessita.
O assunto precisa ser discutido
com urgência no Congresso e levado ao Supremo pelo Ministério Público
e/ou instituições da sociedade.
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