A "imagem do Brasil"
Os cidadãos hoje são reféns de militantes iracundos, que não buscam persuadir maiorias, mas provocar o colapso da vida urbana
Demétrio Magnoli - FSP
Fernando Haddad
proferira a palavra "guerrilha", referindo-se à greve dos motoristas de
ônibus. Na terça, Dilma Rousseff pronunciou a palavra "baderna",
referindo-se às manifestações de rua. Minutos depois, liderados por um
movimento de sem-teto e por índios armados com arcos e flechas, 2.500
pessoas interromperam o trânsito em Brasília. "É a imagem do Brasil que
estará em jogo", explicou a presidente, avisando que "vai chamar o
Exército, imediatamente", para reprimir a "baderna" durante a Copa do
Mundo. A "imagem" toca num nervo sensível do governo. Em nome dela, por
um mês e às custas da ordem democrática, Dilma promete assegurar o
direito de ir e vir das pessoas comuns.
A "baderna" é, há tempo, a
"imagem do Brasil" --com a diferença, apenas, de que o mundo não estava
vendo. Sob o influxo do PT, movimentos minoritários aprenderam que,
reunindo algumas centenas de manifestantes, têm a prerrogativa de parar
cidades inteiras. A tática, esporádica durante anos, tornou-se rotineira
depois das multitudinárias "jornadas de junho". Nas metrópoles, os
cidadãos converteram-se em reféns de militantes iracundos, que não
buscam persuadir maiorias, mas unicamente provocar o colapso da vida
urbana. O problema de Dilma é que chegou a hora da Copa: agora, a
"baderna" ameaça a sacrossanta "imagem do Brasil", não os desprezíveis
direitos das pessoas.
O conflito entre direitos é um traço
marcante das democracias. A liberdade de expressão é regulada por leis
que protegem a privacidade e a imagem dos indivíduos. O direito de greve
é regulado por disposições que asseguram o funcionamento de serviços
essenciais. O direito de manifestação pública é limitado por regras que
impedem a anulação do direito de circulação das pessoas. No Brasil do
lulopetismo, contudo, aboliu-se tacitamente o direito de ir e vir.
Acuadas pelo PT, as autoridades renunciaram ao dever de garanti-lo,
curvando- se à vontade soberana de dirigentes sindicais e lideranças de
movimentos sociais.
Nas democracias, o equilíbrio entre os
direitos de manifestação e de circulação no espaço público deriva de uma
série de regras. Manifestações são autorizadas mediante aviso prévio às
autoridades e acertos sobre lugares de concentração e trajetos de
passeatas. No Brasil, nada disso existe pois não interessa ao Partido: a
vigência de regras gerais, de aplicação indistinta, restringiria as
oportunidades de orquestração de ações de "baderna" moduladas em
cenários de disputa eleitoral. O problema de Dilma é que, na hora da
Copa, emergiram movimentos que nem sempre se subordinam às conveniências
do Partido. A presidente resolveu, então, militarizar provisoriamente o
país. No poder, o lulopetismo oscila entre a política da "baderna" e o
recurso ao autoritarismo.
"Não vai acontecer na Copa do Mundo o
que aconteceu na Copa das Confederações", garantiu Dilma a uma plateia
de aflitos empresários. Não mesmo. Os protestos multitudinários
provavelmente não se repetirão porque os "black blocs" cumpriram a
missão de afastar das ruas as pessoas comuns. Os envelopes urbanos das
"arenas da Fifa", perímetros consagrados aos negócios, serão circundados
por cordões policiais de magnitude inédita. Já a "baderna" arquitetada
para provocar colapsos de circulação em dias de jogos terá que desafiar a
hipótese de resposta militar. Na Copa, excepcionalmente, o direito de
ir e vir estará assegurado.
Dilma promete "chamar o Exército". A
força militar aparece, hoje, como a única mola capaz de conciliar o
"padrão Fifa" com o "padrão Brasil" de ordem pública. Um estado de sítio
não declarado instaurará um efêmero parêntesis no tormento cristalizado
pela política da "baderna" nas principais cidades do país. Nos 30 dias
da competição, a "imagem do Brasil" brilhará sobre um pano de fundo
verde-oliva. Depois, tudo volta ao "normal".
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