Ian Johnson - NYT
Jason Lee/Reuters
30.set.2013 - Trabalhador decora igreja católica na aldeia de Wufuying, na China
Por quase um ano, a Igreja de Sanjiang era o orgulho da crescente
população cristã desta cidade. Um marco dos subúrbios de rápido
desenvolvimento do norte, com sua torre espiralada de 180 metros de
altura se erguendo dramaticamente contra um promontório rochoso.
Wenzhou, chamada de "Jerusalém da China" pelas igrejas que pontilham a
paisagem da cidade, era famosa por seus laços descontraídos entre a
Igreja e o Estado, e as autoridades locais elogiavam a igreja como um
projeto modelo.
No mês passado, no entanto, o governo ordenou
que a igreja fosse demolida, dizendo que violava as normas locais de
zoneamento. Após negociações infrutíferas e uma tentativa fracassada da
congregação de ocupar a igreja, no dia 28 de abril, retroescavadeiras e
tratores derrubaram as paredes e levaram a torre espiralada ao chão."As pessoas estão atordoadas", disse uma pessoa da congregação, que pediu para ser identificada apenas por seu nome inglês de Mabel, por medo de represálias do governo. "Eles perderam completamente a fé nas autoridades religiosas locais".
Esta área urbana de 9 milhões de habitantes no leste da China, situada entre montanhas e um litoral recortado, tornou-se o centro de uma batalha nacional, com o Partido Comunista cada vez mais desconfiado do cristianismo e dos valores ocidentais que representa. Desde março, pelo menos uma dúzia de outras igrejas da província de Zhejiang receberam ordens para de remoção das cruzes ou de demolição, um agravamento significativo da campanha do partido para combater a influência da religião com o crescimento mais rápido da China.
O governo defendeu suas ações, dizendo que as igrejas violavam as restrições de zoneamento. No entanto, um documento do governo interno obtido pelo "New York Times" deixa claro que as demolições fazem parte de uma estratégia para reduzir a imagem pública do cristianismo.
O documento de nove páginas descreve a política da província e diz que o governo visa regulamentar "locais excessivamente religiosos" e atividades religiosas "excessivamente populares", mas especifica apenas uma religião, o cristianismo, e um símbolo, a cruz.
"A prioridade é remover as cruzes dos templos de atividade religiosa nas laterais de vias expressas, estradas nacionais e autoestradas locais", diz o documento. "Com o tempo, retirar as cruzes dos telhados e das fachadas dos edifícios".
A demolição de Sanjiang, em particular, chamou a atenção nacional porque era uma igreja oficialmente sancionada, não uma das igrejas subterrâneas independentes que muitas vezes entram em conflito com o governo. Além disso, um aliado central do presidente Xi Jinping desempenhou um papel decisivo na destruição da igreja.
O caso criou uma reação até mesmo nos círculos religiosos controlados pelo governo, com teólogos proeminentes em seminários governamentais criticando publicamente a medida.
"Nada machuca mais as pessoas do que a demolição de sua igreja", disse em uma entrevista Chen Yilu, diretor do mais influente seminário teológico do país, o Nanjing Union, patrocinado pelo governo. "A questão foi tratada de forma muito agressiva".
Gao Ying, reitor do Seminário Teológico Yanjing em Pequim, disse: "A Igreja de Sanjiang era uma congregação legal e registrada. Eu acho que eles mereciam um tratamento melhor".
A derrubada da Igreja de Sanjiang aconteceu em meio a tensões crescentes não só entre o cristianismo e o governo comunista, mas também entre o cristianismo e outras religiões. Ela foi precedida por uma petição local que acusava a igreja de destruir o feng shui da área, referindo-se aos princípios geomânticos que fundamentam a religião tradicional popular chinesa. Outros se queixaram de que as igrejas estavam expulsando os templos tradicionais, que competem por espaço na região montanhosa.
"À medida que o cristianismo se torna mais forte, ele se confronta contra as outras religiões", disse Mayfair Yang, professor da Universidade da Califórnia em Santa Barbara, que fez trabalhos de campo sobre conflitos religiosos em Wenzhou.
Cada vez mais, as outras religiões estão recebendo maior apoio do Partido Comunista. Em março, Xi elogiou o budismo por suas contribuições para a China. E no ano passado, em uma visita à cidade natal de Confúcio, Xi pegou dois volumes sobre o confucionismo e, revertendo o antagonismo do partido de longa data, emitiu um raro endosso: "Preciso ler esses livros com muito cuidado".
Embora as igrejas na China sejam principalmente financiadas por entidades privadas – Sanjiang foi construída com US$ 5,5 milhões (em torno de R$ 15 milhões) em doações. Os templos religiosos tradicionais se expandiram com forte apoio do governo. O governo também fez uma inversão de marcha sobre o tratamento das práticas religiosas indígenas. Há apenas uma década, o Partido Comunista condenava a leitura da sorte, o feng shui e muitos ritos funerários tradicionais como "superstição feudal". Agora, estes são protegidos por programas do governo de apoio ao "patrimônio cultural imaterial".
O cristianismo, no entanto, é visto por alguns no governo como um vestígio colonial em desacordo com o controle do partido da vida política e social.
"Há também uma inquietação que algumas dessas religiões cristãs estão recebendo infusões de apoio logístico, financeiro e doutrinário do exterior", disse Yang.
O protestantismo também está ligado a um debate nacional sobre "valores universais". Alguns protestantes chineses argumentam que os direitos como a liberdade de expressão são dados por Deus e, portanto, não podem ser retirados pelo Estado. Estas crenças têm levado muitos protestantes a lutarem pelos direitos humanos. Um número desproporcional de advogados que patrocinam casos políticos proeminentes, por exemplo, são protestantes.
Fenggang Yang, professor de religião na Universidade de Purdue, disse que o protestantismo não desafia o Estado diretamente, mas que o governo passou a considerá-lo dessa forma.
"A ameaça política do cristianismo para o regime tem sido exagerada por algumas autoridades", disse ele. "Isso acontece tanto que se tornou uma percepção compartilhada pelas altas autoridades".
As autoridades se recusaram a tecer comentários para este artigo, mas disseram em reportagens da mídia estatal que estão simplesmente tentando conter a construção por vezes anárquica nesta cidade desordenada.
Demolições
Desde o ano passado, Wenzhou demoliu 32 milhões de metros quadrados de construções, em sua maioria propriedades comerciais, de acordo com reportagens da imprensa. As autoridades teriam dito que a Igreja de Sanjiang havia sido construída sem zoneamento adequado, com cinco vezes os 20 mil metros quadrados permitidos pelas suas autorizações e em terrenos destinados ao uso agrícola. Templos religiosos não-cristãos também estão sendo derrubados, disseram, incluindo um templo popular menor perto da igreja.
"Neste momento, há fiéis na internet suspeitando que o governo 'fez uso seletivo da lei' no caso da demolição forçada de instalação religiosa de Sanjiang", disse uma autoridade de Wenzhou citada no jornal estatal "Morning Express". "Nós gostaríamos de reafirmar que vamos continuar a cumprir a política religiosa do partido, respeitar a liberdade religiosa das pessoas e fornecer proteção para os edifícios religiosos legais".
Os problemas da igreja parecem ter começado com uma visita à região em outubro pelo secretário provincial do partido, Xia Baolong, um aliado próximo de Xi. Visitando uma nova zona econômica ao norte de Wenzhou, Xia ficou perturbado que um edifício religioso que representava uma crença estrangeira dominava o horizonte. No mês seguinte, segundo os membros da congregação, eles foram orientados a retirar a cruz do topo da torre de sua igreja.
"Xia Baolong veio fazer uma inspeção no último outono e viu a cruz", disse um funcionário da hierarquia religiosa do governo de Wenzhou. "Ele disse: 'Tirem a cruz. É alta demais e não é apropriada'. Mas as pessoas responderam: 'Bem, nós já a colocamos lá em cima e, do ponto de vista da fé, essa é a nossa fé – a cruz. Como podemos retirá-la?'"
As autoridades argumentaram que a igreja violava as regras de zoneamento, mas o documento com a política da província sugere que o argumento foi um acobertamento tático. Chamado de "Documento de trabalho relativo ao tratamento de construções religiosas ilegais", ele adverte as autoridades de que enfrentarão o escrutínio internacional e por isso devem tomar o cuidado de encobrir seus esforços, sob o pretexto do cumprimento dos códigos de construção. "Seja específico em suas táticas e tome cuidado com os métodos", diz, exortando as autoridades a concentrarem-se na ideia de "construção ilegal". "É fundamental investigar e julgar a partir da perspectiva das leis e regulamentos para evitar críticas pesadas".
Não há datas no documento, mas as autoridades religiosas do governo dizem que foi emitido no verão passado pelo departamento de assuntos religiosos de Wenzhou, em conjunto com uma agência de governo encarregada de demolir construções ilegais.
Em março, o governo aumentou a pressão dizendo que, se a cruz não fosse removida e um edifício auxiliar removido, toda a igreja seria demolida.
Altos membros da congregação e autoridades de Wenzhou tentaram mediar um acordo. Mas em entrevistas, eles disseram que enfrentaram a oposição da congregação, que não concordava em retirar a cruz, e pelos funcionários da província que trabalham para Xia e insistiam que a igreja era ilegal e tinha que ser demolida.
O contrato de 2011 para construir a igreja tinha sido assinado pela congregação e pelo departamento local dos assuntos religiosos como representante do governo. Agora, o departamento de assuntos religiosos diz que não conseguiu a alteração do zoneamento necessária, o que muitos veem como um problema interno do governo, assim como o argumento de que a igreja é maior do que o planejado, pois tanto as autoridades quanto os membros da congregação concordam que a violação foi incentivada pelo governo.
"Eles disseram: 'Esta será a sua última igreja por 20 anos, então é melhor que seja grande'", disse um membro da congregação de Sanjiang envolvido nas negociações. "Eles também disseram que a zona de desenvolvimento era um grande projeto e precisava de uma grande igreja como sinal da abertura da comunidade para o exterior".
Um funcionário do departamento de assuntos religiosos da cidade reconheceu que "as autoridades disseram que a construção poderia ser maior, mas talvez tenha sido um erro".
O governo da província anunciou este mês que havia prendido dois funcionários de Wenzhou e estava investigando outros três em conexão com a igreja. Eles são acusados de ter aprovado a localização e o tamanho de destaque da igreja.
Tradutor: Deborah Weinberg
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