Neil Gough - NYT
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Seis anos atrás, quando um leite em pó infantil adulterado matou seis bebês na China e deixou outros 300 mil doentes, um dos maiores investidores estrangeiros no setor foi pego de surpresa.
O investidor, Fonterra Cooperative Group, da Nova Zelândia, uma das maiores companhias de laticínios do mundo, havia colocado milhões de dólares em uma parceria com o Sanlu Group, uma fabricante chinesa de leite em pó infantil que foi descoberta como uma das várias companhias que misturaram um químico industrial ao leite em pó para aumentar artificialmente o teor de proteína nas avaliações.
A Sanlu declarou falência, e quatro de seus executivos foram presos. A Fonterra foi forçada a desvalorizar todos os seus investimentos de 200 milhões em dólares neozelandeses, ou cerca de US$ 167 milhões pelas taxas de câmbio atuais, no empreendimento chinês.
Entretanto, na quarta-feira, a Fonterra foi a última companhia estrangeira a fazer uma aposta para lucrar com a venda de alimentos mais seguros para a China. A companhia disse que gastará mais de US$ 500 milhões em um acordo com a Beingmate Baby and Child Food Company, uma indústria chinesa de leite em pó infantil. Um dia antes, a Kohlberg Kravis Roberts, uma gigante de investimentos norte-americana, anunciou que aplicará cerca de US$ 400 milhões na maior granja da China, a Fujian Sunner Development, em um acordo que pretende melhor a segurança e qualidade dos alimentos.
"A China é um ambiente totalmente diferente agora; a Beingmate é uma parceira totalmente diferente", disse Theo Spierings, diretor-executivo da Fonterra, na quarta-feira, em resposta às perguntas de jornalistas sobre o episódio da Sanlu, de acordo com a Reuters. "Estamos muito focados em aprender com o passado e caminhar para o futuro."
Escândalos relacionados com a qualidade dos alimentos acontecem com uma frequência perturbadora na China. Só esta semana, de acordo com relatos da mídia estatal: as autoridades confiscaram mais de 30 mil toneladas de pés de galinha, um item comum no cardápio chinês, que haviam sido contaminadas por um agente de limpeza com peróxido de hidrogênio; e na província de Zhejiang, 17 pessoas foram julgadas por acusações de vender 38 toneladas de carne de cachorro - consumida em partes do país - envenenada durante o abatimento dos animais com cianeto ou overdoses de anestésicos.
O desafio diante das grandes companhias de alimentos estrangeiras na China é como garantir que seus padrões de qualidade sejam adotados por todos os funcionários em todos os estágios da cadeia de fornecimento. A ignorância pode ser um problema mais comum do que a fraude intencional, dizem os especialistas.
"Na maior parte do tempo, o que ocorre não é que as pessoas estão escondendo alguma coisa, mas sim que não conhecem os padrões que as companhias ocidentais esperam", disse Sébastien Breteau, diretor-executivo da AsiaInspection. A companhia realiza vistorias de campo em todos os tipos de fábricas na China em nome das companhias para as quais fornecem, e entre as indústrias de alimentos, a taxa de erro nas inspeções até agora foi de mais de 50%.
"O que eu vi", disse Breteau, "quando você chega em uma fábrica e explica o que é importante para um cliente, se você treinar bem os funcionários em normas mais exigentes em termos de manufatura, então eles as começam a segui-las muito rapidamente."
Embora as indústrias de alimentos com apoio estrangeiro costumem ser mais fortes financeiramente e consideradas mais aderentes às normas de qualidade e segurança, alguns lapsos importantes na China mostraram que elas ainda podem ter problemas. O investimento da Fonterra na Sanlu foi um dos primeiros exemplos. Na semana passada, a indústria de alimentos H.J.Heinz retirou vários lotes de farinhas para bebês de circulação depois que descobriram que eles continham altos níveis de chumbo.
E no mês passado, o OSI Group, um fornecedor de capital norte-americano para o McDonald's, KFC e outras redes de fast-food, foi alvo de uma investigação da polícia e autoridades de inspeção alimentar em Xangai. Uma rede de televisão local transmitiu um programa acusando os funcionários da OSI de adulterar os rótulos para estender a data de validade de produtos de carne de frango e bovina, e mostrou cenas onde, aparentemente, funcionários pegavam carne do chão e colocavam de volta nas esteiras para processamento.
Para a OSI, que tem sua sede eu Aurora, nos EUA, e é conhecida por ser líder do setor e por seu controle de qualidade, o episódio foi um choque. Em resposta às preocupações quanto a qualidade dos alimentos na China, ela investiu centenas de milhões de dólares construindo uma rede de fornecimento de carne de frango no país que inclui um fábrica de ração, chocadeiras e abatedouros. Nos Estados Unidos, ela se concentra no processamento de carne comprada de outros fornecedores.
No acordo da Fonterra, que está sujeito à aprovação dos órgãos reguladores e pede que a companhia assuma 20% da Beingmate, as duas companhias importarão os ingredientes do leite em pó infantil das indústrias de laticínio da Fonterra e de produtores na Nova Zelândia, Austrália e Europa para vender na China.
"Uma investigação intensiva está acontecendo por parte de ambos os lados", disse Spierings da Fonterra, "e já esclarecemos os arranjos quanto à administração."
Especialistas dizem que a indústria alimentar da China tende a ser altamente competitiva e ter pouca margem de lucro, o que significa que as companhias são tentadas a deixar alguns passos de lado para economizar dinheiro, em alguns casos fechando os olhos para os perigos para os consumidores.
"O negócio de produzir alimentos não é a mesma coisa que produzir camisetas", disse Peter Karim Ben Embarek, pesquisador de qualidade alimentar na Organização Mundial de saúde em Genebra, que já atuou na China. "Se você economiza na fabricação de camisetas, alguns consumidores podem não gostar, mas se você faz isso com o frango, pode acabar matando pessoas."
Ele acrescentou: "é um pouco como o Velho Oeste esta situação em que ainda não há muita supervisão pública em termos de implementação de normas."
Gao Guan, vice-secretário da Associação de Carnes da China, disse que um dos problemas é que o país ainda não tem inspetores de alimentos suficientes.
"O nível de regulação e fiscalização é muito baixo", disse Gao. Ele citou os problemas recorrentes nas indústrias de processamento de carnes, que podem ser negligentes em sua busca de lucro. "Se depender das indústrias de processamento, então nunca seremos capazes de reforçar as normas de qualidade, porque todo mundo está tentando apenas ganhar dinheiro rápido."
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