Lava-Jato levanta suspeita sobre articulação política de fundos de pensão
Denúncias envolvendo o ‘Clube do Amém’ indicam direcionamento de investimentos para negócios suspeitos
Alexandre Rodrigues e Daniel Biasetto - O Globo
O “clube” de empreiteiras descrito por investigados nos processos
decorrentes da Operação Lava-Jato não é a única consequência do
aparelhamento político de estatais como a Petrobras. Os fundos de pensão
de funcionários de estatais e servidores públicos, que administram
juntos um patrimônio de mais de R$ 450 bilhões, são descritos como
integrantes do chamado “Clube do Amém”, apelido dado por participantes e
funcionários dessas entidades que encaminharam denúncias de má gestão à
Polícia Federal, ao Ministério Público Federal e à Superintendência
Nacional de Previdência Complementar (Previc), órgão regulador do setor.
As denúncias apontam o direcionamento de investimentos dessas entidades
fechadas de previdência complementar para negócios suspeitos, em que
geralmente dividem com outras fundações do setor público prejuízos
milionários.
Investigadores da Lava-Jato já encontraram indícios de ramificações
do esquema do doleiro Alberto Youssef em fundos de pensão. Em outubro, o
advogado Carlos Alberto Pereira Costa, um dos principais auxiliares de
Youssef, disse em depoimento que o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto,
frequentou uma empresa em São Paulo entre 2005 e 2006 para tratar de
negócios com fundos de pensão com um operador do doleiro. Carlos Alberto
Costa menciona, ainda, um suposto pagamento de propina a dirigentes da
Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras. A PF também
encontrou e-mails em computadores de pessoas ligadas a Youssef
atribuindo à influência de Vaccari a aplicação, em 2012, de R$ 73
milhões das fundações Petros e Postalis, este último dos funcionários
dos Correios, na empresa Trendbank, que administra fundos de
investimentos, causando prejuízos às fundações. Vaccari negou as
acusações. Também em 2012, o Postalis teve prejuízo ao aplicar R$ 40
milhões num fundo no banco BNY Mellon, por meio de uma gestora de
investimentos indicada a dirigentes da fundação por operadores de
Youssef.
No
início deste mês, em novo depoimento à Justiça, Alberto Youssef afirmou
que Carlos Habib Chater, dono de postos de combustíveis em Brasília que
distribuiu propinas a políticos em nome dele, também opera com outro
doleiro, Fayed Traboulsi. Uma das vertentes da Lava-Jato apura possíveis
relações financeiras e societárias entre Youssef e Traboulsi,
investigado na Operação Miqueias, em 2013. Essa investigação da PF
desvendou um esquema de lavagem de dinheiro e má gestão de recursos de
entidades previdenciárias públicas envolvendo principalmente
investimentos em papéis relacionados ao banco BVA, que sofreu
intervenção do Banco Central em 2012 e teve a falência decretada este
ano. Traboulsi foi apontado como o dono da Invista Investimentos
Inteligentes, que intermediou aplicações de vários fundos de pensão,
principalmente de prefeituras, no BVA.
BVA ATRAIU MUITOS FUNDOS
A quebra do BVA é um dos exemplos mais recorrentes nas denúncias de
participantes dos fundos de pensão sobre o direcionamento de
investimentos da entidade por personagens como Traboulsi e Youssef por
meio de conexões políticas. Cerca de 70 fundos de pensão investiram R$
2,7 bilhões no BVA e perderam pelo menos R$ 500 milhões com a derrocada
do banco, cujo crescimento exponencial em pouco tempo estava justamente
na capacidade de atrair investimentos das entidades de previdência do
setor público. A concentração de recursos dos fundos de pensão não era
tão visível porque se desdobrava numa enorme teia de operações
indiretas, que terminavam até em aplicações deles no capital do próprio
banco.
É o caso da aplicação das fundações Serpros, dos funcionários do
Serviço Federal de Processamentos de Dados, e Refer, dos empregados da
Rede Ferroviária Federal no Fundo de Investimento em Participações (FIP)
Patriarca — que, por sua vez, detinha 24% das ações do BVA. Após a
liquidação do banco, o Serpros teve uma perda de 97% das cotas de R$ 50
milhões que havia aplicado nesse fundo. Já a Refer perdeu
aproximadamente R$ 40 milhões.
Uma denúncia enviada pela Associação dos Aposentados e Pensionistas
do Serpros (Aspas) e pela Associação Nacional dos Participantes de
Fundos de Pensão (Anapar) à Previc no ano passado sobre o caso BVA
aponta “uma possível articulação entre os fundos para a realização de
aplicações nem sempre de acordo com o interesse dos participantes”. As
entidades estimaram que, dos R$ 146 milhões aplicados pelo Serpros no
Patriarca e em outros fundos do BVA, sobraram cerca de R$ 20 milhões. E
estranharam semelhanças dos investimentos como os da Refer.
O secretário de Finanças do Sindicato dos Empregados de Previdência
Privada do Rio (Sindepperj), Aristótelis Arueira, coleciona outros casos
de FIPs ligados ao BVA que deram prejuízos a vários fundos de pensão.
Ele relacionou pelo menos sete numa denúncia que encaminhou para a
Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros (Delefin) da PF no Rio, que
abriu um inquérito para investigar a Refer. Segundo ele, a Refer integra
um grupo de fundos que têm seus investimentos direcionados pelos
partidos que controlam as estatais que os patrocinam. No caso da Refer,
os gestores são indicados por PR e PT:
- O caso BVA mostra uma lista de fundos idêntica àquela que também
foi investigada no escândalo do mensalão. De lá para cá, nada mudou. O
aparelhamento continua o mesmo: políticos indicam dirigentes e ficam de
Brasília indicando em que operações os fundos devem entrar. E os
gestores dizem “Amém”. Se o fundo perde, alguém ganha na outra ponta.
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