Para as famílias sem documentação, ansiedade e pobreza em Nova York
Winnie Hu - NYT
Monica Almeida/The New York Times
Protesto por mais direitos para os imigrantes
sem documentos: reforma proposta por Obama pode dar novas chances para
expatriados
Sara Martinez nunca quis que suas duas filhas crescessem pobres e ansiosas em relação à vida da forma como ela cresceu no Equador. Mas foi o que aconteceu.
Martinez mora no Brooklyn, em Nova York, com sua filha mais nova,
cidadã norte-americana que nasceu pouco tempo depois que ela, o marido, e
a filha mais velha chegaram no país com vistos de turista, vindos do
Equador em 2005. Martinez mais tarde mandou sua filha mais velha morar
com amigos em outro Estado porque temia que a menina fosse descoberta
pelas autoridades de imigração e deportada.Sara Martinez nunca quis que suas duas filhas crescessem pobres e ansiosas em relação à vida da forma como ela cresceu no Equador. Mas foi o que aconteceu.
Martinez e o marido enfrentaram a deportação em 2011, depois de serem parados por um agente de patrulha de fronteira durante uma viagem da família a Rochester, Nova York. Enquanto suas filhas assistiam, chocadas, eles foram levados algemados e foram detidos por um dia antes de serem soltos. O casamento não sobreviveu, e ruiu sob o estresse contante de viver ilegalmente no país, disse Martinez.
Agora Martinez vive com a filha mais nova em um apartamento decadente de três quartos, com móveis de segunda mão que ganharam de amigos ou encontraram no Craigslist.
"Eu não tenho dinheiro, não tenho documentos, não tenho família, mas tenho minha fé e minha esperança de que algo vai mudar", disse Martinez, 50, enxugando as lágrimas durante uma entrevista em seu apartamento.
Ouvir a história de Martinez é se deparar exatamente com o tipo de dificuldades que o presidente Barack Obama pretende aliviar com as ações do executivo em relação à imigração, que dariam a muitos pais sem documentos - e cujos filhos são cidadãos ou residentes legais - a suspensão temporária da deportação, bem como vistos de trabalho, embora não confira o status de imigrante legal. O plano da Casa Branca também inclui alguns pais que chegaram com filhos ainda pequenos ao país.
A luta de Martinez para ficar no país contribuiu para separar sua família e ainda cobra um preço diário dela, uma vez que trabalha em uma igreja que não exige que ela apresente documentos, e ganha tão pouco que não consegue comprar roupas novas ou contratar um professor particular para sua filha, diz ela.
"Ela é exatamente o motivo pelo qual este país precisa de uma reforma na imigração", diz Jacqueline Esposito, advogada que defendeu Martinez e se tornou sua amiga. "Deveríamos eliminar os obstáculos de Sara, que tem muito a oferecer."
Há milhões de pais sem documentos como Martinez por todo o país, incluindo 250 mil a 350 mil no Estado de Nova York, de acordo com a Coalizão de Imigração de Nova York, uma organização de defesa de direitos.
"Não podemos mais esperar que o Congresso, que não faz nada, trate das necessidades de milhões de imigrantes que são essenciais para o tecido dos Estados Unidos", disse Steven Choi, diretor-executivo da coalizão. "Ao agir com determinação para implementar o alívio administrativo [como é chamado o programa do governo federal], o presidente demonstrará o enorme impacto positivo de dar às famílias imigrantes uma chance de viver sem medo, sair das sombras e contribuir para a economia de uma forma significativa."
Enquanto Martinez contava sua história, ela abraçou um retrato da senhora que a criou no Equador, uma vizinha que a adotou quando ela foi abandonada pela mãe aos três meses de idade. Martinez disse que não pôde ir ao enterro da senhora no Equador em 2012 porque temia não poder voltar mais para Nova York.
"Para nós, família é tudo", disse ela. "Às vezes, acho que não vale a pena, porque onde está minha família agora?" A filha mais nova de Martinez, que tem nove anos e está no quarto ano de uma escola pública, teme ter que se mudar para o Equador um dia. "Quero morar aqui porque conheço bem o lugar e tenho amigos", disse ela. "Se eu for para lá, não conheço ninguém."
Martinez pediu que o nome de suas filhas e ex-marido não fossem divulgados para proteger a privacidade deles.
Martinez cresceu em um casebre de um cômodo na cidade de Guayaquil, de frente para um rio. Ela acordava às 5h para entrar na fila do único banheiro, compartilhado com outras cinco famílias. Sua mãe adotiva trabalhava muitas horas por dia lavando roupas nas casas dos ricos para comprar os livros escolares para ela, e levava para casa restos de comida para alimentá-la.
Martinez estudou bastante, formou-se entre os melhores alunos da classe no segundo grau, e depois conseguiu um diploma universitário em administração de empresas. Ela trabalhou para uma madeireira por duas décadas, começando como secretária assistente e depois gerenciando o departamento de compras. Ela comprou uma casa de dois quartos e um banheiro para ela e sua mãe adotiva, e construiu mais um quarto quando se casou com um colega de trabalho, um contador, e sua primeira filha nasceu.
Quando ela tinha 40 anos, o marido, que havia perdido o emprego, disse que ia se mudar para o Brooklyn, onde seu irmão morava; ele tinha ouvido dizer que havia muitas oportunidades lá. Ela abandonou o emprego e foi com ele.
Eles se mudaram com o irmão do marido e ele conseguiu um emprego vendendo bijuteria. Ela disse que chorava constantemente, e chorou ainda mais quando descobriu que estava grávida. "Eu não sabia o que fazer", disse ela. "Se eu fosse embora, minhas filhas cresceriam sem o pai. Eu não queria que elas tivessem a vida que eu tive: sem amor, sem pai, na pobreza."
Martinez se matriculou em um curso de inglês em um centro de apoio à família. As assistentes sociais fizeram um chá de bebê para ela. À noite e nos fins de semana ela limpava casas, ganhando normalmente US$ 200 por semana ou menos. Foi o primeiro dos muitos empregos para os quais ela era muito qualificada.
Sua família entrou para uma igreja. O pastor os ajudou a alugar um apartamento próprio, servindo como fiador.
A nova vida saiu dos trilhos em 2011, depois de uma viagem a Rochester para visitar amigos no Natal. Quando Martinez e o marido tentaram entrar no ônibus para voltar para casa, um agente da patrulha de fronteira pediu para ver os documentos deles. Enquanto seu marido entrou em pânico, disse Martinez, ela falou a verdade. Começaram os procedimentos para deportação.
Martinez buscou ajuda com a Coalizão de Imigrantes de Nova York. Esposito, que então era diretora e advogada de imigração, disse que o grupo lutou para evitar que Martinez fosse deportada sob uma ordem do governo Obama que expandia o uso do arbítrio dos promotores nesses casos. Mas os apelos de Martinez foram rejeitados repetidamente, até que a representante Nydia M. Velázquez ligou para altas autoridades de imigração em sua defesa, disse Esposito. O caso de Martinez foi fechado.
"Tudo isso foi apenas uma decisão para não deportar Sara. Não para lhe dar qualquer chance de conseguir legalizar sua situação, basicamente deixando-a no limbo", explicou Esposito.
Desde então, Martinez disse que não pegou mais nenhum ônibus para a cidade por medo de ser parada novamente e ter seu caso reaberto. Seu ex-marido vai visitar a filha a cada duas semanas, mas ela não pergunta sobre a situação dele. O irmão dele foi deportado para o Equador há alguns anos, diz ela.
Sua filha mais nova teve depressão, e é pequena para a idade porque mal come, diz Martinez. A filha mais velha, hoje com 20 anos, ficou com muita raiva no início, mas prosperou em sua nova vida. Ela terminou o segundo grau e frequenta a faculdade em outro estado. "Ela está num lugar seguro", é tudo o que Martinez diz.
Tradutor: Eloise de Vylder
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