Afetados pela crise, jovens franceses voltam para o "ninho" dos pais
Léonor Lumineau - Le Monde"Voltei para meu quarto de adolescente, com fotos de meus amigos, meus bichos de pelúcia e minha escrivaninha. Não foi fácil!", lembra Marie, 27. Há dois anos, essa jovem engenheira do departamento francês de Moselle mal saiu da faculdade e já voltou para viver na casa de seus pais, enquanto emendava um trabalho temporário no outro. Essa é uma situação que tende a se tornar comum: segundo um estudo do Ministério dos Assuntos Sociais e da Saúde da França publicado em julho de 2014, intitulado "Deixando a casa da família: os jovens adultos diante da crise econômica", "58% dos jovens adultos que deixaram o sistema educacional em 2004 haviam saído da casa dos pais três anos mais tarde. Em 2007, eram somente 54% deles". Ou seja, uma queda de quatro pontos entre 2007 e 2010.
O documento aponta o papel da crise na saída do lar familiar: "Ir embora requer condições financeiras suficientes, e estas são determinadas em grande parte pela trajetória de inserção profissional. Desde a piora do contexto econômico em 2008, a inserção profissional dos jovens adultos vem sendo marcada por situações de desemprego mais frequentes ou pela recorrência de empregos muitas vezes precários." Deste modo, 71% dos jovens que têm um trabalho fixo não vivem mais na casa de seus pais, ante 53% que têm um trabalho temporário.
Pierre-Antoine, 27, esperou mais de um ano para deixar o casulo materno após terminar seus estudos em comunicação: tendo enfrentado o desemprego, e depois a precariedade do trabalho temporário, ele não via vantagem em alugar uma moradia e gastar dinheiro, sendo que sua situação era instável. Para se mudar, o jovem esperou até ter um trabalho fixo. "De qualquer maneira, com um trabalho temporário teria sido impossível encontrar moradia na região de Île-de-France", diz.
Simplesmente "dividindo o aluguel com sua mãe"
"Nas grandes cidades, a questão do custo de moradia e das garantias requeridas também é um obstáculo para a saída do lar", confirma Sandra Gaviria, professora de sociologia no Centro Interdisciplinar de Pesquisa sobre as Mobilidades (Cirtai) e na Universidade de Havre. E mesmo quando eles conseguem se sustentar, alguns jovens adultos têm dificuldades para encontrar moradia.
De volta a Paris após mais de três anos em Lyon, Anne-Astrid, arquiteta de interiores, 27, foi bater na porta de seus pais no departamento francês de Oise: "Eu tinha conseguido alugar um apartamento em Paris, mas ele era minúsculo, barulhento e eu pagava 750 euros (R$ 2.500) por 20 metros quadrados. Então decidi voltar a viver com minha família até que eu tivesse uma condição mais favorável", explica a jovem.
Essa volta ao ninho nem sempre é fácil. Embora Pierre-Antoine diga que está simplesmente "dividindo o aluguel com sua mãe", Charles, 28, que teve de voltar para a casa de seus pais ao voltar do exterior quatro anos atrás, viveu com dificuldades esse período: "Eu tinha um sentimento de fracasso. Normalmente, os pássaros deixam o ninho e não voltam mais. Fiquei com a impressão de que eu os tinha decepcionado, e me sentia como um bebê, um adulto fracassado", explica esse jovem formado na Sciences-Po de Lyon. "Na educação francesa, a autonomia é um valor importante desde a primeira infância, tendo como auge a saída da casa de seus pais", ressalta Sandra Gaviria.
Banalização
E é uma situação ainda mais difícil quando os pais se mostram intrusivos. "Embora eu lhes seja muito grato por terem me acolhido, as interferências familiares às vezes eram penosas. Como quando eles vinham me dizer, 'Olha, parece que tal empresa está contratando', sendo que não tinha nada a ver com o tipo de trabalho que eu procurava. Ou quando meu pai queria que eu ficasse plantado na frente da sede da Microsoft segurando um cartaz para dizer que eu estava procurando um emprego", lembra Charles sorrindo. "Então eu tentava passar o maior tempo possível fora de casa: às 8h da manhã eu já estava no café para olhar as ofertas de emprego e praticava muito esporte", explica o jovem, que desde então foi morar com sua companheira e encontrou um emprego fixo.No entanto, a situação parece mais fácil de tolerar à medida que ela se banaliza. "Hoje a sociedade entende que é difícil para os jovens e que muitas vezes eles ficam sem saída", explica Sandra Gaviria. Para a socióloga, "é espantoso ver até que ponto existe uma solidariedade familiar. Ainda que não seja seu modelo ideal ou que eles tenham pouco espaço, os pais os acolhem como podem e lhes deixam bastante liberdade. Na verdade, eles também têm um sentimento de culpa diante das dificuldades dos jovens."
Consequentemente, os jovens adultos têm se permitido mais ficar na casa da família. Fanny, por exemplo, voltou para a casa dos pais durante seis meses para fazer um balanço depois de uma decepcionante entrada no mercado de trabalho: "Negociei um acordo de demissão para sair do meu primeiro emprego fixo porque eu não gostava realmente do trabalho. Eu tinha condições de pegar um apartamento, mas precisava recarregar as energias na casa de meus pais, refletir sobre o tipo de trabalho que eu realmente queria fazer. O apoio ativo de meus pais à minha iniciativa me fez muito bem". É verdade que com essa maior dependência em relação à família, as desigualdades entre os jovens vêm se aprofundando.
Solidariedade entre gerações
Mas essa situação pode ter um lado positivo: "Viver com seus pais na idade adulta pode permitir que se estabeleça uma nova relação", afirma Sandra Gaviria. "Quando eu era adolescente, era muito difícil viver junto com eles, mas agora que estou novamente na casa dele aos 27 anos, tem sido muito bom! Chega a ser interessante, pois nossa relação mudou, temos conversas mais adultas", comenta Anne-Astrid.
Essa nova solidariedade entre gerações caiu bem para alguns nidícolas (espécies de pássaros que permanecem muito tempo no ninho antes de se tornarem independentes) assumidos. Assim como Sophie, uma cinesioterapeuta que, aos 22 anos de idade, se acha jovem demais para entrar totalmente na vida adulta: "Acho que gosto de me apegar ainda um pouco à infância, à vida de estudante, mesmo gostando de trabalhar. A casa de meus pais na região de Paris é agradável e bem localizada, e como me dou bem com eles, não tenho vontade de sair", explica a jovem, que pretende dessa forma economizar para poder comprar um apartamento.
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