Cortes de verbas deixam 3 milhões na Grécia sem cobertura médica
M. A. Sánchez-Vallejo - El País
Yannis Kolesidis/EFE
26.mar.2014 - Policiais detêm uma trabalhadora de limpeza que participava de manifestação no Ministério de Finanças, em AtenasA senhora Despina, toda de preto como uma viúva antiga, pede esmola no metrô de Atenas mostrando sua carteira de identidade e alguns certificados médicos. "Sou grega, filha de grego e tenho um filho de 6 anos com paralisia cerebral. Não tenho trabalho nem seguridade social, nem ninguém que me ajude com o menino." A mulher passa diante de um aposentado que raspa o bolso e com uma lágrima envolta em cataratas murmura: "Eu também preciso de ajuda, mas... a gente vê cada drama!", enquanto move a cabeça em sinal de impotência. A cena ocorreu no sábado (13) ao meio-dia na linha 1 do metrô, em direção ao Pireu.
O último relatório da OCDE sobre o assunto, "Visão geral da saúde: Europa 2014", constata um panorama desolador em comparação com os outros 34 países avaliados. Desde 2009 a Grécia viu reduzir-se em 9% por ano o gasto em saúde per capita; em 2012 era 25% menor que três anos antes.
O efeito mais perverso é que a enorme tesourada no orçamento de atendimento ambulatorial e farmacêutico fez disparar o do atendimento hospitalar, que representou quase a metade do gasto de saúde total em 2012. A Grécia fechou em fevereiro a maioria das clínicas de atendimento básico por causa dos ajustes exigidos pela troica (FMI, BCE e Comissão Europeia). O sistema impõe o pagamento de 10 euros por consulta, e apesar do copagamento há uma longa lista de medicamentos impossíveis de encontrar; desde 2009 o gasto farmacêutico caiu mais de 12% ao ano.
Assim que a medida de readmitir os excluídos da saúde em casos de urgência provoca uma expressão de ceticismo em Kostas Lukos, porta-voz da clínica social Kifa, no centro de Atenas. "Está muito bem que os admitam, mas se não vão ter meios ou medicamentos para tratá-los... De fato, muitos hospitais públicos recorrem a nós em busca de medicamentos que eles não têm."
Como os demais trabalhadores do Kifa – cerca de 20 médicos especialistas, alguns na ativa e outros aposentados, os farmacêuticos e os administrativos –, Lukos também é voluntário. O centro não ganha um euro com as consultas, e desde que começou a funcionar, em janeiro de 2013, atendeu a quase 5.600 pacientes, realizou 2.000 exames clínicos e prescreveu medicamentos para 2.500 pessoas, "50% gregos e estrangeiros", salienta o porta-voz.
Ele mostra os consultórios: o do psiquiatra (são dois, um especializado em psiquiatria infantil, "porque a crise está afetando muito as crianças"), a sala de pequenas intervenções ambulatoriais ou "a de tortura", onde dois dentistas podem trabalhar ao mesmo tempo graças a várias poltronas, já que é uma das especialidades mais demandadas. A farmácia está cheia de medicamentos, "todos doados, muitos procedentes de ONGs de países europeus e alguns devolvidos por parentes de falecidos".
Yorgos é o último paciente da sexta-feira. Macilento, ele parece ter muito mais que seus 48 anos. Desempregado há quatro – e há três sem cobertura de saúde –, sofre do coração. "Vinte anos pagando para nada, para morrer na rua. Se não fosse por esta clínica, não estaria mais aqui. Vim com prevenção, porque pensava que não atenderiam bem, mas não podia estar mais enganado: é muito melhor que a pública", diz.
Como a de Kifa, cerca de 40 clínicas sociais foram criadas nos últimos anos na Grécia, 12 delas na periferia de Atenas, que concentra a metade da população do país (11 milhões); a pioneira, a de Ellinikó, atendeu em três anos a 28 mil pacientes. Essa rede social representa uma válvula de escape para um sistema prestes a explodir e que sobrevive "graças à dignidade dos trabalhadores", explica Meropi Mandeou, responsável por pneumologia no hospital Sotiría de Atenas. As instalações são impecáveis, brilham de limpas, mas os rostos desanimados de médicos e auxiliares nos boxes de emergências relatam um estresse crônico.
"Trabalho como médico há 22 anos, estou aqui há 16, nos últimos três ou quatro passei correndo. Não damos conta devido aos cortes de pessoal, e se as coisas acontecem é por amor próprio e profissionalismo. Falta pessoal, faltam remédios, falta material", queixa-se Mandeou. "Se a política de austeridade continuar, não sei o que será da saúde. Há planos para fechar os hospitais deficitários e onde não houver pessoal suficiente, incluindo um psiquiátrico e quatro de pneumologia."
O colapso da classe média, incluindo os autônomos –nos últimos cinco anos foram destruídas na Grécia 140 mil pequenas e médias empresas –, criou uma nova classe de indigentes, os sanitários. Panayota Masaveta, 60 anos, não tem cobertura desde janeiro de 2013. "Estou doente do coração, sofro hipertensão e diabetes.
Tinha uma loja de roupas, mas a fechei por causa da crise, acabou meu seguro-desemprego e não pude pagar os 3.500 euros por ano do seguro privado. Como em um refeitório municipal e vou ao médico uma vez por mês em uma clínica social, mas às vezes não tem os medicamentos e passo mal. Meu filho morreu de câncer há um ano, esperando um transplante de fígado que nunca teríamos podido pagar", conta.
Os doentes oncológicos, os diabéticos e os crônicos em geral são os casos mais difíceis, pois exigem os tratamentos mais prolongados e dispendiosos. A clínica de Ellinikó, que conta com uma equipe médica de cem especialistas, trata cerca de 150 pacientes de câncer com medicamentos que sobraram de doentes que morreram e cujas famílias os doaram.
Ou graças à ajuda desinteressada de colegas, em um movimento fluido e solidário paralelo ao sistema: "Toda quarta-feira nossos pacientes em fase inicial recebem quimioterapia grátis em Sotiría, até um máximo de dois anos", explica o cardiologista Yorgos Vijas, fundador do Ellinikó, que calcula em média de "10 mil a 15 mil euros o custo do tratamento de dois a seis anos". A situação é tão difícil que "os doentes de câncer só recebem tratamento grátis [no sistema público] na fase final doença", denunciou em maio Liana Mailli, presidente de la ONG Médicos do Mundo.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Nenhum comentário:
Postar um comentário